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segunda-feira, 5 de maio de 2008

CECÍLIA MEIRELES - BIOGRÁFIA

Cecília Meireles*: vida e obra
Nelly Novaes Coelho
Universidade de São Paulo
Uma grande voz feminina da Poesia Brasileira, Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu
no Rio de Janeiro, em 07.11.1901. Faleceu em 09.11.1964, vitimada pelo câncer. Órfã de mãe e
pai, desde muito nova foi criada pela avó materna, Jacinta Garcia Benevides, nascida em São
Miguel (Açores).
Inteligência alerta, desde menina foi atraída pelos estudos e leituras. Formou-se na Escola
Normal do Rio de Janeiro (1917) e ingressou no magistério. Estudou canto e violino no
Conservatório Nacional de Música. Dedicou-se também ao estudo de línguas e muito cedo
começou a escrever poesia. Em 1919, estreou como poeta, com o livro Espectros, dando início
a uma carreira que levaria anos para se consolidar.
Em 1922 casa-se com o artista plástico português, Fernando Correia Dias, recémradicado
no Brasil, e através de quem Cecília entrou em contato com o movimento poético em
Portugal, no início do século xx (e nele, Fernando Pessoa). Tiveram três filhas, Maria Elvira,
Maria Matilde e Maria Fernanda. A partir da publicação de Nunca mais e... (1923), Correia
Dias se torna o ilustrador dos livros de Cecília. Mas a vida de casados não era fácil, conforme
o registra, Eliane Zaguri, em Cecília Meireles (Poetas Modernos do Brasil, 1973):
...as dificuldades econômicas são grandes. Os preconceitos da época /.../ tornam ainda mais penoso
o encargo da subsistência para o artista plástico e a professora. /.../ Em 1929, Cecília apresenta a
tese “O Espírito vitorioso”, para a cátedra de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. A
defesa é brilhante, mas incapaz de vencer as mentes predispostas já a oferecer o cargo a quem fosse
reconhecidamente do grupo católico. Segue-se um período difícil, de perseguição mais ou menos
velada, em que durante quatro anos, por ironia e desagravo de sua capacidade pedagógica, Cecília
Meireles mantém uma página diária sobre Educação, no Diário de Notícias.
No início de 1934, designada pela Secretaria da Educação, para dirigir um Centro Infantil
a ser instalado no Pavilhão Mourisco, Cecília cria a primeira Biblioteca Infantil do Rio de
Janeiro. Correia Dias, encarregado da decoração do espaço, transforma o ambiente em uma
espécie de cidade encantada, adaptada para múltiplas atividades educativas e recreativas
oferecidas às crianças.
Nesse mesmo ano, Cecília faz sua primeira viagem ao Exterior. A convite do Governo
Português e em companhia do marido vai a Portugal e se apresenta em várias palestras e
conferências nas Universidades de Lisboa e em outras entidades. Nessa viagem, viveu um
episódio curioso: marcara um encontro com Fernando Pessoa, na Brasileira do Chiado, pois já
conhecia sua poesia e desejava conhecê-lo pessoalmente. Esperou-o durante duas horas, mas
Fernando Pessoa não apareceu. Ao voltar ao hotel, Cecília encontrou um livro do poeta, com o
pedido de desculpas pelo não-comparecimento. Motivo: o horóscopo, feito pela manhã,
indicava que ambos não deviam se encontrar. O livro era a Mensagem, que acabara de ser
publicado e também o único publicado em vida do poeta. Desse episódio, conclui-se que a
primeira pessoa a ler esse livro no Brasil, foi Cecília Meireles.
No ano seguinte a essa viagem, agravam-se as crises de depressão que acometiam
* Verbete “Cecília Meireles”, no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras (1711-2001) de Nelly Novaes
Coelho (a ser publicado em breve pela Editora Escrituras).
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Correia Dias e ele se suicida. Viúva e com o encargo de três filhas, Cecília vive um período
extremamente difícil. Entre os anos 1936 e 1938, Cecília desdobra-se em atividades: leciona
Literatura Luso-brasileira, Técnica e Crítica Literária (Universidade do Distrito Federal);
escreve regularmente crônicas e artigos sobre folclore, educação e literatura, para diversos
jornais (A Manhã, Correio Paulistano, A Nação...) e passa a trabalhar no DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda), como responsável pela revista Travel in Brazil.
Nessa época recebe uma carta de desconhecido, que sugere a eliminação de um dos “ll”
de seu sobrenome (Meirelles), para torna-lhe a vida mais leve. Foi o que fez Cecília, passando
a grafar o sobrenome com um só “l” (Meireles). Por coicidência ou não, (Yo no lo creo em las
brujas, pero que las hay...), a partir daí os acontecimentos felizes se sucederam: seu livro
Viagem (1939) ganha o Prêmio Poesia/Ac. Brasileira de Letras; logo após conhece o médico
Heitor Grilo, com quem se casa no ano seguinte, viajando ambos para os Estados Unidos e
México. Nessa ocasião, com o patrocínio do DIP, Cecília ministra um curso de Literatura e
Cultura Brasileira na Universidade do Texas/Austin. A partir desse momento, sua vida entra em
equilíbrio e sua carreira de poeta ganha altitude.
Em 1951, secretaria o I Congresso Nacional de Folclore no Rio Grande do Sul. Nesse
mesmo ano, viaja novamente para a Europa (França, Bélgica, Holanda e Portugal). Em 1953,
como convidada do Primeiro Ministro Neruh, participa de um Simpósio na Índia, sobre a obra
de Gandhi. Na ocasião recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi.
Compõe os Poemas escritos na Índia, sob a emoção de entrar em contato com uma cultura que,
há anos, ela pesquisava nos livros e amava. Na volta, detém-se na Itália, onde escreve os
Poemas Italianos. Em 1958, é convidada para um ciclo de conferências em Israel e vive a
emoção de visitar os lugares santos, que sempre exerceram grande fascínio sobre sua
sensibilidade. Aos sessenta e três anos, em plena maturidade existencial e atividade criadora, a
doença tornou-a “encantada” (como dizia Guimarães Rosa). Repousa no Cemitério de São João
Batista (Botafogo), túmulo nº 8951, quadra 13 a. lápide simples, contendo apenas seu nome e
datas: 1901-1964.
Solombra (1963) foi o último livro publicado em vida, por Cecília Meireles. É ele uma
“parte” que contém o “todo” de seu universo poético.
Falar contigo. /.../ Dizer com claridade o que existe em segredo. / Ir falando contigo e não ver
mundo ou gente. / E nem sequer te ver, mas ver eterno o instante / No mar da vida ser coral de
pensamento.
Aí se entremostra, metaforicamente, a problemática filosófico-existencial que está na
gênese de sua criação poética:
– “Falar contigo” (anseio de se sentir participante do absoluto ou Mistério divino/cósmico);
– “ver eterno o instante” (ânsia de descobrir o verdadeiro espaço ocupado pela efêmera vida
humana, dentro da eternidade cósmica que a abarca) e
– “No mar da vida ser coral de pensamento.” (aceitação de seu destino de poeta, cuja tarefa
maior seria captar, nomear ou instaurar em palavra, a verdade/beleza/eternidade ocultas nos
seres e coisas fugazes, para comunicá-las aos homens e perpetuá-las no tempo.
Em permanente diálogo com o mistério do Absoluto (Deus), com a fugacidade da vida, o
inevitável da morte e a possível tarefa da poesia, Cecília Meireles é, no âmbito da literatura
brasileira, uma das vozes mais autênticas da grande crise espiritual que se instaura no entreséculos
(séc. XIX.XX) e se prolonga até nossos dias, sob as mais variadas formas. De
autêntico húmus religioso (no exato sentido etimológico do termo latino, re-ligio, re-ligação do
homem ao cosmos ou Deus), a poesia ceciliana expressa não só a fusão das múltiplas e altas
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experiências formais e temáticas da poesia-século XX, mas principalmente o difícil avançar em
meio à fragmentação dos valores e paradigmas, imposta pelo Modernismo.
Estreando como poeta, três anos antes da eclosão modernista no Brasil (Semana de Arte
Moderna/SP, 1922), Cecília reflete em seus primeiros exercícios poéticos, a confluência das
duas diretrizes dominantes na época: a parnasiana esteticista (o ideal da “Arte pela arte”) em
busca da forma eternizadora da vida efêmera; e a simbolista espiritualista (de raízes
decadentistas), que tenta resgatar o mistério, o além-aparências do real, que a Ciência negava.
Atraída por essa dupla ótica poética, Cecília, em Espectros, busca a forma e o tom hierático de
cunho parnasiano e, ao mesmo tempo, tocada pelo enigma da vida/morte, aponta a Poesia e a
História, como os gestos humanos que podem deter o tempo e eternizar o efêmero. Nessa linha,
os sonetos de Espectros têm, como matéria, diversas figuras históricas, surpreendidas em
situações idílicas ou satânicas, que as perpetuam no tempo. Mais tarde, Cecília repudia essa
poesia primeira, tida como simples exercício de estreante e considera como seu verdadeiro
início, os poemas de Baladas para El-Rei (escr. em 1921/publ.1925) e de Nunca mais e...
(escr. 1922/publ. 1923). Ambos escritos antes de sua filiação ao grupo espiritualista do Rio de
Janeiro, reunido em torno da revista “Árvore Nova” (seguida por “Terra do sol” e “Festa”).
Essa poesia primeira, de húmus neo-simbolista (ou decadentista), mantém forte ligação
com as fontes líricas européias e portuguesas em particular (poesia medieval e poetas maiores
ou menores do Decadentismo/Simbolismo português, como Antônio Nobre, Camilo Pessanha,
Eugênio de Castro, etc., que tiveram grande circulação no Brasil do entre-séculos oitocentista).
Aliás, a identificação de Cecília Meireles com a tradição lírico-portuguesa é notável, em toda a
sua obra, bem como a “sabedoria bíblica” do Eclesiastes e do Cântico dos Cânticos.
Balada para El-Rei expressa a ansiedade agônica do cristão, diante da vida concebida
como limitação, obstáculo, frustração, dor ou impedimento à comunhão dos homens com a
verdadeira vida. Esta é identificada com El-Rei (grande metáfora, de ecos medievais, que figura
o Deus Todo-Poderoso e inacessível), a cuja presença só seria possível chegar-se através da fé,
sonho ou morte. Nunca mais..., em confronto com as Baladas..., apresenta uma sensível
alteração da problemática Deus/Tempo/Vida/Morte. No universo fechado pela morte e
consequente frustração da vida, abre-se um caminho de possível realização humana: o caminho
da ascese. O Eu-poético exercita-se no sentido da ascese espiritual através da contemplação
mística. Estados contraditórios de alegria e tristeza, exaltação e desânimo, certezas e dúvidas se
sucedem nos poemas, em perfeita consonância com a caminhada espiritual feita de luzes e
sombras, mas sem angústias.
Depois de quatorze anos de silêncio, Cecília publica Viagem (1939).
Pousas sobre esses espetáculos infatigáveis /uma sonora ou silenciosa canção: / flor do espírito,
desinteressada e efêmera. /.../ Por ela, os homens te conhecerão:/ por ela, os tempos versáteis
saberão / que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente, quando por ele andou teu coração.
Viagem marca o encontro definitivo de Cecília Meireles com sua arte maior. Definem-se
as linhas mestras de sua criação poética: a indagação existencial, oscilante entre a exaltação da
vida e o desalento perante o seu inegável findar; a redescoberta da condição humana, como a de
seres-feitos-de-tempo (Heidegger); a revalorização do espetáculo do mundo, cuja concretude e
efemeridade resulta da própria existência do existir (sequência de nascimento/morte); e,
finalmente, a intuição de que a Poesia (a Palavra nomeadora) é o grande meio que revela aos
homens o “esquema secreto da vida”. São essas as linhas de força que dinamizam Viagem:
Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: /
sou poeta / Irmão das coisas fugidias. /.../ Sei que canto. E a canção é tudo. / Tem sangue eterno a
asa ritmada. / E um dia sei que estarei mudo: / e mais nada.
Essa funda identificação entre o seu canto e a sua vida confirmam a alta temperatura
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criadora da poesia ceciliana, na medida em que (conforme J. Pfeiffer, nos anos 50), a grande
virtude da verdadeira poesia é a de revelar o ser da existência, não como algo pensado e
concluído, mas como algo vivenciado. É essa a imediata sensação que nos transmite sua poesia,
plena de significados ocultos e de intensa vibração existencial.
Com os anos, os livros se sucedem regularmente: Vaga música, Mar absoluto, Retrato
natural... Solombra. De livro para livro, sua linguagem metafórica vai-se desdobrando em
emoções essenciais e em pura beleza. A angústia existencial é suavizada pela musicalidade
poética, – versos que fluem em virtuosidades sonoras de grande beleza e densidade.
Tal como disse, Fernando Pessoa: “Aconteceu-me do alto do infinito / Esta vida.”; Cecília diz: “Eu
vim de infinitos caminhos /.../ Desenrolei de dentro do Tempo a minha canção.”
Publicações: Espectros, 1919; Nunca mais... E poema dos Poemas, 1923; Baladas para
El-Rei, 1925; Viagem, 1939; Vaga música, 1942; Mar absoluto, 1945; Retrato natural, 1949;
Amor em Leonoreta, 1951; Doze noturnos da Holanda e O aeronauta, 1952; Romanceiro da
Inconfidência, 1953; Poemas escritos na Índia, s/d; Pequeno oratório de Santa Clara
(apresentado em caixa de madeira pintada, em forma de oratório), 1955; Pistóia, cemitério
militar brasileiro, 1955; Canções, 1956; Romance de Santa Cecília, 1957; A Rosa, 1957; Obra
poética, 1958; Metal rosicler, 1960; Antologia poética, 1963; Solombra, 1963; Ou isto ou
aquilo (poesia infantil), 1964. Obra póstuma: Crônica trovada da cidade de Sam Sebastian do
Rio Janeiro (no quarto centenário de sua fundação pelo capitão-mor Estacio de Sáa), 1965;
Poemas italianos, 1968; Morena, pena de amor, 1976; Cânticos (ed. fac-similar do
manuscrito), 1983 e sucessivas reedições de toda sua obra e de poemas inéditos.
Resumo
Texto-verbete de Cecília Meireles, constante do Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras (a ser publicado
em meados de 2002), abrangendo dados biobibliográficos, acrescidos de juízo crítico acerca da arte poética
ceciliana, em relação ao contexto do Modernismo brasileiro e da poesia em geral, na primeira metade do
século

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