Canudos e o Exército
(in Folha de São Paulo, 30 de Novembro de 1999)
O que houve em Canudos e continua a acontecer hoje, no campo como nas grandes cidades brasileiras, foi o choque do Brasil "oficial e mais claro" contra o Brasil "real e mais escuro". Ao Brasil oficial e mais claro que não é somente "caricato e burlesco", como afirmou um Machado de Assis, momentaneamente perturbado por sua justa indignação, pertenciam algumas das melhores figuras do patriciado do tempo de Euclydes da Cunha: civis e políticos como Prudente de Moraes, ou militares como o general Machado Bittencourt.
Bem-intencionados mas cegos, honestos mas equivocados, estavam convencidos de que o Brasil real de Antônio Conselheiro era um país inimigo que era necessário invadir, assolar e destruir. O civil que começou a reparar esse erro doloroso foi Euclydes da Cunha. O militar foi o major Henrique Severiano, grande herói de Canudos, do lado do Exército. Através de sua bela morte, acendeu ele uma chama que, juntamente com a de Euclydes da Cunha, temos todos nós -intelectuais, políticos, padres, soldados- o dever de levar fraternalmente adiante. Conta-se, em "Os Sertões", sobre o incêndio dos últimos dias de Canudos: "O comandante do 25º batalhão, major Henrique Severiano, era uma alma belíssima, de valente. Viu em plena refrega uma criança a debater-se entre as chamas. Afrontou-se com o incêndio. Tomou-a nos braços; aconchegou-a do peito criando, com um belo gesto carinhoso, o único traço de heroísmo que houve naquela jornada feroz e salvou-a. Mas expusera-se. Baqueou mal ferido, falecendo poucas horas depois".
A meu ver, tal seria o militar simbólico, emblema do verdadeiro soldado brasileiro, capaz de apoiar um movimento em favor do povo, também simbolicamente representado aí por essa criança, iluminada entre as chamas do seu martírio.
Euclydes da Cunha, formado, como todos nós, pelo Brasil oficial, falsificado e superposto, saiu de São Paulo como seu fiel adepto positivista, urbano e "modernizante". E, de repente, ao chegar ao sertão, viu-se encandeado e ofuscado pelo Brasil real de Antônio Conselheiro e seus seguidores. Sua intuição de escritor de gênio e seu nobre caráter de homem de bem colocaram-no imediatamente ao lado dele, para honra e glória sua. Mas a revelação era recente demais, dura demais, espantosa demais. De modo que, entre outros erros e contradições, só lhe ocorreu, além da corajosa denúncia contra o crime, pregar uma "modernização" que consistiria, finalmente, em conformar o Brasil real pelos moldes da rua do Ouvidor e do Brasil oficial. Isto é, uma modernização falsificadora e falsa, e que, como a que estão tentando fazer agora, é talvez pior do que uma invasão declarada. Esta apenas destrói e assola, enquanto a falsa modernização, no campo como na cidade, descaracteriza, assola, destrói e avilta o povo do Brasil real.
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Uma quase-despedida
(in Folha de São Paulo, 04 de julho de 2000)
Na década de 80, já velho, o Cego Oliveira, músico e poeta popular do sertão cearense, em depoimento prestado ao cineasta Rosemberg Cariry, declarou: "Uma vez, na hora de acabar o toque, cantei uma despedida tão bonita que uma mulher disse: "Faz pena um homem desse ter que morrer um dia!'".
De minha parte, não sei tocar rabeca, não mereço comentário tão belo e comovente nem esta quase-despedida que estou escrevendo aqui é um momento dramático do jornal ou da minha vida. Na verdade, estamos apenas transferindo o local e a data da minha coluna: vou passar a escrever na Ilustrada, toda segunda-feira, em novo formato e numa linha, digamos assim, mais literária.
De qualquer modo, é mais de um ano escrevendo aqui; e, na minha idade, um ano é muito tempo. Por isso, não quis sair sem uma palavra de despedida a meus leitores; principalmente porque, velho como o Cego Oliveira, cada vez mais a literatura se transforma para mim na rabeca que dá tom ao toque da minha vida.
Por outro lado, como escritor que sou, gosto de personalizar meus sentimentos de afetividade; e, para encarnar todos os meus possíveis leitores, escolho hoje, aqui, uma moça de Campinas chamada Cida Sepúlveda. Cida, que, em fevereiro deste ano, me escreveu uma carta na qual dizia, com belas palavras que me tocaram: "Sou uma poetisa anônima, casual, trágica, inconsequente, fruto e produto do casamento entre a urbanidade e a melancolia dos pastos antigos". Cida, que, mais recentemente, me mandou outra carta em que, comentando meu artigo sobre a criação de cabras no Rio Grande do Norte, afirmava: "Fui criada com leite de cabra. Meus pais eram pobres, mas tínhamos uma cabrinha no quintal; eu mesma, menina, algumas vezes tirei leite dela. E como são dóceis esses animais!".
Quero, então, dizer a Cida Sepúlveda que, em ambos os casos, vi que entre mim e ela existe uma grande identificação. Sou relativamente conhecido como romancista e mais como dramaturgo; como poeta sou "anônimo, casual, trágico, inconsequente" e também "fruto e produto do casamento entre a urbanidade e a melancolia de pastos antigos"; pastos esses que, no meu caso, eram povoados de belas cabras agrestes, esquivas, quase selvagens e que pareciam pequenos antílopes, extraviados das savanas da África, das serras do Líbano ou das mesetas da Península Ibérica nos tabuleiros e carrascais do sertão nordestino.
Na última carta que me escreveu, Cida Sepúlveda sugere que eu me valha de "um endereço eletrônico" por meio do qual meus leitores possam me escrever com mais facilidade. Por acaso, recentemente houve, no Recife, um congresso de jornalistas. No dia em que a ele compareci, Matinas Suzuki, ouvindo-me falar de minhas desventuras no mundo dos computadores, generosamente se prontificou a me dar um daqueles endereços. E vou pedir a Alexandre Nóbrega -que é a pessoa que resolve tais assuntos para mim- que entre em contato com Suzuki, a fim de que eu, absolutamente incapaz de fazer isso sozinho, atenda à solicitação de Cida Sepúlveda. Até segunda, na Ilustrada.
A poesia é mais fina e mais filosófica do que a história; porque a poesia expressa o universo, e a história somente o detalhe." (Aristóteles)
.Gleudecy B.C.Carvalho Rodrigues
Bem vindos, Caros Amigos.
PAZ & LUZ!
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
POESIA

O Mundo do Sertão
(com tema do nosso armorial)
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.
Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.
E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,
o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
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Aqui morava um rei
"Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado."
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O Amor e a Morte
Com tema de Augusto dos Anjos
Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.
O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.
Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.
E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.
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A Moça Caetana a morte sertaneja
Com tema de Deborah Brennand
Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.
Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.
Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,
pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.
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A Morte — O Sol do Terrível
Com tema de Renato Carneiro Campos
Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.
Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.
Ela virá, Mulher, afiando as asas,
com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.
Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.
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A mulher e o reino
Oh! Romã do pomar, relva esmeralda
Olhos de ouro e azul, minha alazã
Ária em forma de sol, fruto de prata
Meu chão, meu anel , cor do amanhã
Oh! Meu sangue, meu sono e dor, coragem
Meu candeeiro aceso da miragem
Meu mito e meu poder, minha mulher
Dizem que tudo passa e o tempo duro
tudo esfarela
O sangue há de morrer
Mas quando a luz me diz que esse ouro puro se acaba pôr finar e corromper]
Meu sangue ferve contra a vã razão
E há de pulsar o amor na escuridão
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Lápide
Com tema de Virgílio, o Latino,
e de Lino Pedra-Azul, o Sertanejo
Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.
Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.
Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido
que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!
Frases antológicas.ARIANO SUASSUNA

“A humanidade se divide em dois grupos, os que concordam comigo e os equivocados.”
“Sou a favor da internacionalização da cultura, mas não acabando as peculiaridades locais e nacionais”.
“Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa”.
“Jamais falei mal de Molière, mas querer que eu aceite Elvis Presley já é demais”.
“A massificação procura baixar a qualidade artística para a altura do gosto médio. Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto… Nunca vi um gênio com gosto médio.”
“… que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.”
“Que eu não perca a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas”
“O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”
“Eu digo sempre que das três virtudes teologais , sou fraco na fé e fraco na qualidade, só me resta a esperança.”
“Não tenho medo de andar de avião como muitos dizem. O que eu tenho é tédio. Não agüento mais olhar aquelas aeromoças fazendo um teatro mímico para mostrar aos passageiros como usar às máscaras de oxigênio em caso de despressurização, e a porta de emergência.”
“Em vez de porta-aviões, os americanos hoje mandam Michael Jackson e Madonna para dominar o Brasil.”
“Na pré-história, os cavalos comiam só mato e os homens começaram a comer carne. A evolução trouxe a raça humana até aqui e os cavalos continuam sendo vegetarianos até hoje. É por isso que nunca parei de comer carne.”
ARIANO SUASSUNA

Ariano Vilar Suassuna, advogado, professor, teatrólogo e romancista, desde 1990 ocupa a cadeira número 32 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Araújo Porto Alegre, o Barão de Santo Ângelo (1806-1879).
Filho de João Suassuna e de Rita de Cássia Villar, Ariano estava com um pouco mais de três anos quando seu pai, que havia governado o Estado no período de 1924 a 1928, foi assassinado no Rio de Janeiro, em conseqüência da luta política às vésperas da Revolução de 1930.
No mesmo ano, sua mãe se transferiu com os nove filhos para Taperoá, onde Ariano Suassuna fez os estudos primários. No sertão paraibano Ariano se familiarizou com os temas e as formas de expressão que mais tarde vieram a povoar a sua obra.
Em 1942, a família se mudou para Recife e os primeiros textos de Ariano foram publicados nos jornais da cidade, enquanto ele ainda fazia os estudos pré-universitários. Em 1946 Ariano iniciou a Faculdade de Direito e se ligou ao grupo de jovens escritores e artistas que tinha à frente Hermilo Borba Filho, com o qual fundou o Teatro do Estudante Pernambucano. No ano seguinte, Ariano escreveu sua primeira peça, "Uma Mulher Vestida de Sol", e com ela ganhou o prêmio Nicolau Carlos Magno.
Após formar-se na Faculdade de Direito, em 1950, passou a dedicar-se também à advocacia. Mudou-se de novo para Taperoá, onde escreveu e montou a peça "Torturas de um Coração", em 1951. No ano seguinte, voltou a morar em Recife. O Auto da Compadecida (1955), encenado em 1957 pelo Teatro Adolescente do Recife, conquistou a medalha de ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. A peça o projetou não só no país como foi traduzida e representada em nove idiomas, além de ser adaptada com enorme sucesso para o cinema.
No dia 19 de janeiro de 1957, Ariano se casou com Zélia de Andrade Lima, com a qual teve seis filhos. Foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura, do qual fez parte de 1967 a 1973 e do Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco, no período de 1968 a 1972.
Em 1969 foi nomeado Diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, ficando no cargo até 1974.
Ariano estava sempre interessado no desenvolvimento e no conhecimento das formas de expressão populares tradicionais e, no dia 18 de outubro de 1970, lançou o Movimento Armorial, com o concerto "Três Séculos de Música Nordestina: do Barroco ao Armorial", na Igreja de São Pedro dos Clérigos e uma exposição de gravura, pintura e escultura.
O escritor também foi Secretário de Educação e Cultura do Recife de 1975 a 1978. Doutorou-se em História pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1976 e foi professor da UFPE por mais de 30 anos, onde ensinou Estética e Teoria do Teatro, Literatura Brasileira e História da Cultura Brasileira.
Seu "Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta" publicado originalmente em 1971 teve a primeira edição. Relançado somente em 2005 teve sua segunda edição esgotada em menos de um mês, o que é uma coisa rara para um volume de quase 800 páginas.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
INTRODUÇÃO

Introdução a obra de Fernando Pessoa
Uma vida e muitas invenções
Ao escrever sobre Fernando Pessoa, o poeta mexicano Octavio Paz declara que “os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia”. Afirma ainda, que, no caso de Pessoa, “nada em sua vida é surpreendente - nada, exceto seus poemas.” Homem de vida pública modesta, Fernando Pessoa dedicou-se a inventar. Através da poesia, criou outras vidas, despertando, assim, o interesse por sua própria vida tão pacata. Tornou-se, portanto, o enigma em pessoa.
Nascido em Lisboa, no dia 13 de junho de 1888, Fernando Pessoa perdeu o pai aos cinco anos de idade. Em 1896, a família se transfere, levada pelo segundo marido de sua mãe, para a cidade de Durban, na África do Sul. Lá, cursa o secundário, cedo revelando seu pendor para a literatura. Em 1903, ingressa na Universidade do Cabo.
Fernando Pessoa, educado em ingl�s, adquiriu o gosto pela poesia lendo Milton, Byron, Shelley, Edgar Allan Poe e outros poetas de l�ngua inglesa.
Deixando a fam�lia em Durban, o jovem estudante, que at� pensava em ingl�s, retorna a Portugal. Fernando Pessoa matricula-se, ent�o, no Curso Superior de Letras, que logo abandona, e entra em contato com os grandes escritores da l�ngua portuguesa. Impressiona-se sobremaneira com os serm�es do Padre Ant�nio Vieira (1608-1697) e particularmente com a obra de Ces�rio Verde (1855-1886), Em 1908 come�a a trabalhar como tradutor de cartas comerciais para empresas estrangeiras. Deste emprego modesto tirar� o sustento durante toda a vida. Bo�mio, encontra-se com os amigos em caf�s, especialmente a "Brasileira do Chiado" para discutir literatura. Em 1912 conhece o poeta M�rio de S�-Carneiro (1890 - 1916), de quem se tornaria grande amigo. Em Paris, no dia 26 de abril de 1916, S�-Carneiro, ap�s escrever cartas angustiadas a Fernando Pessoa, comete o suic�dio.
A revista Orpheu, fundada em 1915 por Fernando Pessoa, M�rio de S� Carneiro,
e outros amigos, como Almada Negreiros e Lu�s de Montalvor, representa o marco inicial do Modernismo em Portugal.
Ap�s a notoriedade, nem sempre positiva, adquirida com a publica��o de Orpheu, Pessoa mergulha em anos de relativa obscuridade. Publica um pequeno volume de poemas em ingl�s, Antinuos and 35 Sonnets (1918), ensaios e poemas espor�dicos em algumas revistas, funda outras, envolve-se com o ocultismo e a magia negra, dedica-se ao estudo da astrologia. Em 1934 publica, tomando dinheiro emprestado, o livro Mensagem, e com ele participa do pr�mio "Antero de Quental". Recebe o pr�mio de Categoria B. No dia 30 de novembro de 1935, morre de cirrose hep�tica.
Fernando Pessoa nunca teve, em vida, o reconhecimento que merecia. Viveu modestamente, em relativa obscuridade. Quando vivo, teve apenas dois livros publicados: Alguns poemas em ingl�s e Mensagem.
Os heter�nimos
Desde cedo, Fernando Pessoa inventara seus companheiros. Ainda em Durban, imagina os heter�nimos Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. Cria tamb�m o especialista em palavras cruzadas Alexander Search e outras figuras menores. Mas seria no dia 8 de mar�o de 1914 que os heter�nimos come�ariam a aparecer com toda a for�a. Neste dia, Pessoa escreve, de uma s� vez, os 49 poemas de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro. Como resposta, escreve tamb�m os seis poemas de Chuva Obl�qua, que assina com seu pr�prio nome. Logo, inventaria �lvaro de Campos e, em junho do mesmo ano, Ricardo Reis. Um semi-heter�nimo de Pessoa, Bernardo Soares, s� em 1982 teve sua obra, O Livro do Desassossego, composta por fragmentos de prosa po�tica, publicada.
�lvaro de Campos e Ricardo Reis, assim como o pr�prio Pessoa, consideravam-se disc�pulos de Alberto Caeiro, mas cada um seguiu os ensinamentos do mestre � sua forma, e chegaram at� a travar uma pol�mica muito interessante sobre o fazer po�tico.
A �ltima frase de Fernando Pessoa foi escrita em ingl�s no dia de sua morte:
I know not what tomorrow will bring.
Ou
Eu n�o sei o que o amanh� trar�.
O amanh� trouxe para Fernando Pessoa uma admira��o crescente. Suas obras foram aos poucos sendo publicadas e ele � considerado hoje, ao lado de Cam�es, um dos dois maiores poetas portugueses de todos os tempos. Nenhum poeta, em l�ngua portuguesa, obteve tanto prest�gio em todo o mundo. O obscuro e modesto lisboeta tornou-se, assim, um nome importante em todo o mundo. Gra�as ao poder da palavra. Gra�as � magia da poesia.
Pessoa e os heter�nimos
Mais do que meros pseud�nimos, outros nomes com os quais um autor assina sua obra, os heter�nimos s�o inven��es de personagens completos, que t�m uma biografia pr�pria, estilos liter�rios diferenciados, e que produzem uma obra paralela � do seu criador. Fernando Pessoa criou v�rias dessas personagens. Tr�s deles foram excelentes poetas e seus poemas est�o nesta antologia, lado a lado com os que Pessoa assinava com seu pr�prio nome. Os estudiosos seguem discutindo por que Pessoa teria criado seus heter�nimos. Seria esquizofrenia? Psicografia? Uma grande piada? Um genial jogo de marketing po�tico? De certo, sabemos que a genialidade de Fernando Pessoa � grande demais para caber em um s� poeta. Como bem o sintetizou o seu heter�nimo mais atribulado, �lvaro de Campos:
"Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como v�rias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a exist�ncia total do universo,
Mais completo serei pelo espa�o inteiro fora."
Al�m disso, Fernando Pessoa viveu durante os prim�rdios do Modernismo, uma �poca em que a arte se fragmentava em v�rias tend�ncias simult�neas, as chamadas Vanguardas: Futurismo, Cubismo, Expressionismo, Dada�smo, Surrealismo e muitas outras.
A arte, no momento da explos�o das in�meras vanguardas modernistas por todo
o mundo, tamb�m se dividia e se multiplicava. Fernando Pessoa, introdutor das
vanguardas modernistas em Portugal, ao se dividir, levou a fragmenta��o da
arte moderna �s �ltimas conseq��ncias.
Leia também "A Razão Poética" de Ferreira Gullar
Alberto Caeiro (1889 - 1915)
Fernando Pessoa explicou em detalhes a “vida”de cada um de seus heter�nimos. Assim apresenta a vida do mestre de todos, Alberto Caeiro:
"Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. N�o teve profiss�o, nem educa��o quase alguma, s� instru��o prim�ria; morreram-lhe cedo o pai e a m�e, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia av�. Morreu tuberculoso."
Pessoa cria uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfei��o � sua poesia, como podemos observar nos 49 poemas da s�rie O Guardador de Rebanhos, inclu�da por inteiro nesta antologia. Segundo Pessoa, foram escritos na noite de 8 de mar�o de 1914, de um s� f�lego, sem interrup��es. Esse processo criativo espont�neo traduz exatamente a busca fundamental de Alberto Caeiro: completa naturalidade.
Eu n�o tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza n�o � porque saiba o que ela �.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que � amar...
Caeiro escreve com a linguagem simples e o vocabul�rio limitado de um poeta campon�s pouco ilustrado. Pratica o realismo sensorial, numa atitude de rejei��o �s elucubra��es da poesia simbolista.
Assim, constantemente op�e � metaf�sica o desejo de n�o pensar. Faz da oposi��o � reflex�o a mat�ria b�sica das suas reflex�es. Esse paradoxo aproxima-o da atitude zen-budista de pensar para n�o pensar, desejar n�o desejar:
Metaf�sica? Que metaf�sica t�m aquelas �rvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que n�o nos faz pensar,
A n�s, que n�o sabemos dar por elas.
Mas que melhor metaf�sica que a delas,
Que � a de n�o saber para que vivem
Nem saber que o n�o sabem?
Caeiro coloca-se, portanto, como inimigo do misticismo, que pretende ver “mist�rios” por tr�s de todas as coisas. Busca precisamente o contr�rio: ver as coisas como elas s�o, sem refletir sobre elas e sem atribuir a elas significados ou sentimentos humanos:
Os poetas m�sticos s�o fil�sofos doentes,
E os fil�sofos s�o homens doidos.
Porque os poetas m�sticos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras t�m alma
E que os rios t�m �xtases ao luar.
Mas as flores, se sentissem, n�o eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, n�o eram pedras;
E se os rios tivessem �xtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
� importante lembrar que os poetas simbolistas, que antecederam Fernando Pessoa, estavam impregnados de forte misticismo, herdado da poesia rom�ntica. Enquanto rom�nticos e simbolistas carregavam seus poemas de religiosidade, Alberto Caeiro procura, de forma coerente e l�gica, afastar-se da reflex�o sobre Deus.
Pensar em Deus � desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o n�o conhec�ssemos,
Por isso se nos n�o mostrou...
Seguindo esta linha de pensamento religioso, Caeiro escreve um poema muito ousado sobre o menino Jesus. No poema VIII de O Guardador de Rebanhos, destitu�do de santidade, Cristo � representado como uma crian�a normal: espont�nea, levada, brincalhona e alegre. Nisso, est� a religiosidade de Caeiro.
Em perfeita conson�ncia com sua busca de simplicidade e espontaneidade, Alberto Caeiro escreve versos livres (sem m�trica regular) e brancos (sem rimas).
Ricardo Reis (1887 - 1935?)
Se Alberto Caeiro era um campon�s autodidata desprovido de erudi��o, seu disc�pulo Ricardo Reis era um erudito que insistia na defesa dos valores tradicionais, tanto na literatura quanto na pol�tica. De acordo com Pessoa:
"Ricardo Reis nasceu no Porto. Educado em col�gio de jesu�tas, � m�dico e vive no Brasil desde 1919, pois expatriou-se espontaneamente por ser mon�rquico. � latinista por educa��o alheia, e um semi-helenista por educa��o pr�pria."
Disc�pulo de Caeiro, Reis retoma o fasc�nio do mestre pela natureza pelo vi�s do neoclassicismo. Insiste nos clich�s �rcades do Locus Amoenus (local ameno) e do Carpe Diem (aproveitar o momento).
Neocl�ssico, Reis busca o equil�brio, a "Aurea Mediocritas" (equil�brio de ouro) t�o prezada pelos poetas do s�culo XVIII. A busca da espontaneidade de Caeiro transforma-se em Reis, na procura do equil�brio contido dos cl�ssicos. Deixa de ser uma simplicidade natural e passa a ser estudada, forjada atrav�s do intelecto:
Para ser grande, s� inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
S� todo em cada coisa. P�e quanto �s
No m�nimo que fazes.
Assim como em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
A linguagem de Ricardo Reis � cl�ssica. Usa um vocabul�rio erudito e, muito apropriadamente, seus poemas s�o metrificados e apresentam uma sintaxe rebuscada.
Os poemas de Reis s�o odes, poemas l�ricos de tom alegre e entusi�stico, cantados pelos gregos, ao som de c�taras ou flautas, em estrofes regulares e vari�veis. Nelas, convida pastoras como L�dia, Neera ou Cloe para desfrutar de prazeres contemplativos e regrados:
"Prazer, mas devagar,
L�dia, que a sorte �queles n�o � grata
Que lhe das m�os arrancam.
Furtivos, retiremos do horto mundo
Os deprendandos pomos."
As odes de Reis, como as de P�ndaro, recorrem sempre aos deuses da mitologia grega. Este paganismo, de car�ter erudito, afasta-se da convic��o de Alberto Caeiro de que n�o se deve pensar em Deus. Para Ricardo Reis, os deuses est�o acima de tudo e controlam o destino dos homens:
"Acima da verdade est�o os deuses.
Nossa ci�ncia � uma falhada c�pia
Da certeza com que eles
Sabem que h� o Universo.
�lvaro de Campos (1890 - 1935?)
Fernando Pessoa nos informa que �lvaro de Campos:
Nasceu em Tavira, teve uma educa��o vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Esc�cia estudar engenharia, primeiro mec�nica e depois naval. Numas f�rias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opi�rio. Agora est� aqui em Lisboa em inatividade."
Como normalmente acontece com os poetas de carne e osso, o heter�nimo �lvaro de Campos apresenta tr�s fases distintas em sua poesia. De in�cio � influenciado pelo decadentismo simbolista, depois pelo futurismo e por fim, amargurado, escreve poemas pessimistas e desiludidos.
No poema Opi�rio, o engenheiro Campos, influenciado pelo simbolismo, ainda metrifica e rima. Escreve quadras, estrofes de quatro versos, de teor autobiogr�fico e j� se apresenta amargurado e insatisfeito:
"Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Esc�cia. Visitei a Irlanda.
Meu cora��o � uma avozinha que anda
Pedindo esmolas �s portas da alegria."
Campos em seguida envereda pelo futurismo, adotando um estilo febril, entre as m�quinas e a agita��o da cidade, do que resultam poemas como Ode Triunfal:
"� dolorosa luz das l�mpadas el�tricas da f�brica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos."
Desta fase s�o tamb�m a Ode Mar�tima e a Sauda��o a Walt Whitman. Homenageando o grande escritor norte-americano, Campos, al�m de se referir ao conhecido homossexualismo de Whitman, de que parece comungar, revela uma das mais fortes influ�ncias sobre o seu estilo:
Os poemas de �lvaro de Campos s�o marcados pela oralidade e pela prolixidade que se espalha em versos longos, pr�ximos da prosa. Despreza a rima ou m�trica regular. Despeja seus versos em torrentes de incontrol�vel desabafo.
A �ltima fase do heter�nimo �lvaro de Campos, em que pontifica o poema Tabacaria, apresenta um poeta amargurado, refletindo de forma pessimista e desiludida sobre a exist�ncia:
"N�o sou nada.
Nunca serei nada.
N�o posso querer ser nada.
� parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
Assim como Ricardo Reis, tamb�m �lvaro de Campos confessa-se disc�pulo de Alberto Caeiro. Mas se Reis envereda pelo neoclassicismo ao tentar imitar o mestre, Campos se revela inquieto e frustrado por n�o conseguir seguir os preceitos de Caeiro. No poema que se inicia pelo verso "Mestre, meu mestre querido", dialoga com Caeiro, revelando toda sua ang�stia:
"Meu mestre, meu cora��o n�o aprendeu a tua serenidade.
Meu cora��o n�o aprendeu nada.
(...)
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquieta��o."
Fernando Pessoa, ele mesmo
A obra que Fernando Pessoa assinou com seu pr�prio nome est� reunida nos volumes Cancioneiro e Mensagem.
O Cancioneiro � composto por poemas l�ricos, rimados e metrificados, de forte influ�ncia simbolista. � do Cancioneiro um dos poemas mais c�lebres de Pessoa, Autopsicografia, em que reflete sobre o fazer po�tico:
"O poeta � um fingidor.
Finge t�o completamente
Que chega a fingir que � dor
A dor que deveras sente.
E os que l�em o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
N�o as duas que ele teve,
Mas s� a que eles n�o t�m."
O leitor atento h� de perceber que o poeta parte de uma dor sua, real, integral. S� quem sente uma dor pode fingir outra que n�o sente. S� quem tem personalidade pode ser ator. Como Fernando Pessoa. J� os leitores, l�em no poema a dor ou o sentimento que lhes falta e que gostariam de ter. Sentem-na ao atribu�-la a poeta.
Mensagem (1934), foi o �nico livro em l�ngua portuguesa publicado por Pessoa.
Os poemas do livro est�o organizados de forma a compor uma epop�ia fragment�ria, em que o conjunto dos textos l�ricos acaba formando um elogio de teor �pico a Portugal. Tra�ando a hist�ria do seu pa�s, Pessoa envereda por um nacionalismo m�stico de car�ter sebastianista.
O livro Mensagem est� dividido em tr�s partes: Bras�o, Mar portugu�s e O Encoberto.
Na primeira, conta-se a hist�ria das gl�rias portuguesas. Na segunda, s�o apresentadas as navega��es e conquistas mar�timas de Portugal. Na terceira, � apresentado o mito sebastianista de retorno de Portugal �s �pocas de gl�ria.
A primeira parte de Mensagem, Bras�o, se estrutura como o bras�o portugu�s, que � formado por dois campos: um apresenta sete castelos, o outro, cinco quinas. No topo do bras�o, est�o a coroa e o timbre, que apresenta o grifo, animal mitol�gico que tem cabe�a de le�o e asas de �guia. Assim se dividem os poemas desta parte, remetendo ao bras�o de Portugal. Versam sobre as grandes figuras da hist�ria de Portugal, desde Dom Henrique, fundador do Condado Portucalenses, passando por sua esposa, Dona Tareja, e seu filho, primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, at� o infante Dom Henrique (1394-1460), fundador da Escola de Sagres e grande fomentador da expans�o ultramarina portuguesa, e Afonso de Albuquerque (1462-1515), dominador portugu�s do Oriente. At� o mito de Ulisses, que teria fundado a cidade de Ulissepona, depois Lisboa, � apresentado:
"O mito � o nada que � tudo.
O mesmo sol que abre os c�us
� um mito brilhante e mudo."
A segunda parte, Mar portugu�s, apresenta as principais etapas da expans�o ultramarina que levou Portugal a ocupar um lugar de destaque no mundo durante os s�culos XV e XVI:
"E ao imenso e poss�vel oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui v�s,
Que o mar com fim ser� grego ou romano:
O mar sem fim � portugu�s."
J� a �ltima parte, O Encoberto, apresenta o misticismo em torno da figura de Dom Sebasti�o, rei de Portugal cuja frota foi dizimada em ataque aos mouros em 1578. Muitas previs�es, como a do sapateiro Bandarra e a do padre Ant�nio Vieira, prev�em o retorno de Dom Sebasti�o para resgatar o poderio de Portugal, criando o Quinto Imp�rio, marcando a supremacia de Portugal sobre o mundo:
"Gr�cia, Roma, Cristandade,
Europa, os quatro se v�o
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu dom Sebasti�o?"
Esse estudo foi elaborado por Frederico Barbosa
e nos foi enviado por e-mail pelo amigo Celso Sampaio.
FERNANDO PESSOA
Fernando Pessoa - O poeta de vários desdobramentos
É de suma importância relembrarmos primeiramente sobre o Modernismo em Portugal antes de começarmos a falar deste grandioso poeta.
Como toda estética literária advém de um contexto histórico e político, o Modernismo português surgiu sob um clima de grande instabilidade interna, com greves sucessivas, aliado às dificuldades trazidas pela eclosão da Primeira Guerra Mundial.
O assassinato do rei Carlos X, em 1910, foi o ponto de partida para a proclamação da República. Com isso, surgiu a necessidade de defender as colônias ultramarinas, razão pela qual o povo português manifestou todo o seu saudosismo de maneira acentuada.
A lembrança das antigas glórias marítimas e a lamentação pelo desconcerto que dominou o país após o desaparecimento de Dom Sebastião serviram de berço para o nascimento de uma revista que representaria o Modernismo propriamente dito, a revista “Orpheu”, publicada em 1915.
Fazendo parte dela estavam presentes figuras artísticas importantíssimas, tais como:
Mário de Sá-Carneiro, Luís Montalvor, José de Almada-Negreiros e Fernando Pessoa.
Seu conteúdo baseava-se no questionamento dos valores estabelecidos estética e literariamente, na euforia frente às invenções oriundas da Revolução Industrial e na libertação de todas as regras e convenções referentes à produção artística da época.
Os ecos Futuristas na valorização da máquina e da velocidade aparecem já no primeiro número dos versos do poema “Ode triunfal”, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta em estudo.
Dando enfoque principal a Fernando Pessoa, o mesmo nasceu no dia 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa. Levou uma vida anônima e solitária e morreu em 1935, vítima de uma cirrose hepática.
Quando falamos deste genioso artista, é necessário fazermos uma distinção entre todos os poemas que assinou com o seu verdadeiro nome - poesia ortônima e todos os outros, atribuídos a diferentes heterônimos, dentre os quais destacam-se Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
A questão da heteronímia resulta de características pessoais referentes à personalidade de Fernando Pessoa: o desdobramento do “eu”, a multiplicação de identidades e a sinceridade do fingimento, uma condição que patenteou sua criação literária e que deu origem ao poema que segue:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
Pessoa, Fernando. Lírica e dramática, In: Obras de Fernando Pessoa
No que se refere aos heterônimos, vejamos:
Alberto Caeiro
É uma poesia aparentemente simples, mas que na verdade esconde uma imensa complexidade filosófica, a qual aborda a questão da percepção do mundo e da tendência do homem em transformar aquilo que vê em símbolos, sendo incapaz de compreender o seu verdadeiro significado.
A Criança
A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em um ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
Ricardo Reis
O médico Ricardo Reis é o heterônimo “clássico” de Fernando Pessoa, pois observa-se em toda sua obra a influência dos clássicos gregos e latinos baseada na ideologia do “Carpe Diem”, diante da brevidade da vida e da necessidade de aproveitar o momento.
Anjos ou Deuses
Anjos ou deuses, sempre nós tivemos,
A visão perturbada de que acima
De nos e compelindo-nos
Agem outras presenças.
Como acima dos gados que há nos campos
O nosso esforço, que eles não compreendem,
Os coage e obriga
E eles não nos percebem,
Nossa vontade e o nosso pensamento
São as mãos pelas quais outros nos guiam
Para onde eles querem E nós não desejamos.
Álvaro de Campos
Heterônimo futurista de Fernando Pessoa, também é conhecido pela expressão de uma angústia intensa, que sucedeu seu entusiasmo com as conquistas da modernidade.
Na fase amargurada, o poeta escreveu longos poemas em que revela um grande desencanto existencial. Como podemos observar:
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. (...).
É de suma importância relembrarmos primeiramente sobre o Modernismo em Portugal antes de começarmos a falar deste grandioso poeta.
Como toda estética literária advém de um contexto histórico e político, o Modernismo português surgiu sob um clima de grande instabilidade interna, com greves sucessivas, aliado às dificuldades trazidas pela eclosão da Primeira Guerra Mundial.
O assassinato do rei Carlos X, em 1910, foi o ponto de partida para a proclamação da República. Com isso, surgiu a necessidade de defender as colônias ultramarinas, razão pela qual o povo português manifestou todo o seu saudosismo de maneira acentuada.
A lembrança das antigas glórias marítimas e a lamentação pelo desconcerto que dominou o país após o desaparecimento de Dom Sebastião serviram de berço para o nascimento de uma revista que representaria o Modernismo propriamente dito, a revista “Orpheu”, publicada em 1915.
Fazendo parte dela estavam presentes figuras artísticas importantíssimas, tais como:
Mário de Sá-Carneiro, Luís Montalvor, José de Almada-Negreiros e Fernando Pessoa.
Seu conteúdo baseava-se no questionamento dos valores estabelecidos estética e literariamente, na euforia frente às invenções oriundas da Revolução Industrial e na libertação de todas as regras e convenções referentes à produção artística da época.
Os ecos Futuristas na valorização da máquina e da velocidade aparecem já no primeiro número dos versos do poema “Ode triunfal”, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta em estudo.
Dando enfoque principal a Fernando Pessoa, o mesmo nasceu no dia 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa. Levou uma vida anônima e solitária e morreu em 1935, vítima de uma cirrose hepática.
Quando falamos deste genioso artista, é necessário fazermos uma distinção entre todos os poemas que assinou com o seu verdadeiro nome - poesia ortônima e todos os outros, atribuídos a diferentes heterônimos, dentre os quais destacam-se Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis.
A questão da heteronímia resulta de características pessoais referentes à personalidade de Fernando Pessoa: o desdobramento do “eu”, a multiplicação de identidades e a sinceridade do fingimento, uma condição que patenteou sua criação literária e que deu origem ao poema que segue:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
Pessoa, Fernando. Lírica e dramática, In: Obras de Fernando Pessoa
No que se refere aos heterônimos, vejamos:
Alberto Caeiro
É uma poesia aparentemente simples, mas que na verdade esconde uma imensa complexidade filosófica, a qual aborda a questão da percepção do mundo e da tendência do homem em transformar aquilo que vê em símbolos, sendo incapaz de compreender o seu verdadeiro significado.
A Criança
A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em um ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
Ricardo Reis
O médico Ricardo Reis é o heterônimo “clássico” de Fernando Pessoa, pois observa-se em toda sua obra a influência dos clássicos gregos e latinos baseada na ideologia do “Carpe Diem”, diante da brevidade da vida e da necessidade de aproveitar o momento.
Anjos ou Deuses
Anjos ou deuses, sempre nós tivemos,
A visão perturbada de que acima
De nos e compelindo-nos
Agem outras presenças.
Como acima dos gados que há nos campos
O nosso esforço, que eles não compreendem,
Os coage e obriga
E eles não nos percebem,
Nossa vontade e o nosso pensamento
São as mãos pelas quais outros nos guiam
Para onde eles querem E nós não desejamos.
Álvaro de Campos
Heterônimo futurista de Fernando Pessoa, também é conhecido pela expressão de uma angústia intensa, que sucedeu seu entusiasmo com as conquistas da modernidade.
Na fase amargurada, o poeta escreveu longos poemas em que revela um grande desencanto existencial. Como podemos observar:
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. (...).
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