.Gleudecy B.C.Carvalho Rodrigues

Bem vindos, Caros Amigos.
PAZ & LUZ!


segunda-feira, 5 de maio de 2008

CRUZ E SOUZA

Cruz e Sousa

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

FERNANDO PESSOA

INDICE TOTAL -
"Apenas" 1.040 poemas em ordem alfabética:

Mantenedor desta página: SF
O seu comentário

MANOEL DU BOCAGE - SONETOS

INTRODU��O

A fama do portugu�s Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) n�o se divide apenas em "boa" e "m�", isto �, entre a modelar poesia arc�dica ou rom�ntica e a malexemplar poesia fescenina: esta mesma � motivo de controv�rsia, a partir do ponto em que foi renegada pelo pr�prio autor. N�o vou aqui esmiu�ar fatos e vers�es de fontes e pervers�es. Limito-me a resgatar, para o s�tio po�tico da POP BOX, a parcela expurgada da produ��o bocagiana, tal como fiz com as "obras livres" de Laurindo Rabelo, sucessor de Bocage no Brasil. Ao selecionar e anotar os sonetos er�ticos do lusitano, n�o pude, sem embargo, manter-me indiferente a uma hip�tese ap�crifa que vem incomodando alguns bi�grafos e historiadores. Que Bocage era genial n�o cabe d�vida, como n�o se desmente a vida devassa que d� respaldo a seus versos. O que intriga o pesquisador � a tend�ncia a atribuir ao maldito obras que ele mesmo admitia serem de outrem, mas que editores e leitores "preferiam" que fossem dele, seja por admira��o ou difama��o. Hoje n�o d� para propor revisionismos no que j� se tornou lend�rio. Resta simplesmente registrar algumas autorias, que, se fossem cabalmente restabelecidas, dariam a entender que pelo menos o sonet�rio pornogr�fico pertenceria a nomes menos conhecidos, sen�o obscuros.

Citam-se entre os ind�cios o fato de que o soneto VI teria sido repudiado por Bocage, sob alega��o do tipo "se fosse meu, o verso 8 ficaria assim ou assado" (nota 3); ou o fato de que o soneto XXXII, que j� parece requentado em compara��o com um an�nimo do s�culo anterior (nota 14), figura em certas antologias como assinado pelo Abade de Jazente (vulgo de Paulino Ant�nio Cabral de Vasconcellos). Mas a mim parece mais interessante verificar que grande parte dos sonetos mais sexualmente descritivos e desreprimidos foi achada num caderno onde, segundo algumas fontes, constava o nome de Pedro Jos� Const�ncio, cuja biografia ainda n�o figura nas enciclop�dias e comp�ndios liter�rios. Al�m do que vai referido na nota 16, vale acrescentar alguma parca informa��o sobre esse meu xar� de cuja obra Bocage teria se "apropriado".

Irm�o dum prestigiado escritor (Francisco Solano Const�ncio, autor, entre diversos tratados, duma HIST�RIA DO BRASIL), o Pedro que tamb�m foi Podre morreu, sem completar seus quarenta, antes de 1820 e viveu marginalmente, entre a putaria e a loucura. Ou, como se cita, "Enfermidades geradas pelos excessos ven�reos a que se dava, sem escolha nem reserva, o levaram a um estado valetudin�rio, atrofiando-lhe as faculdades, e tornando-o incapaz de toda a aplica��o." Filho dum cirurgi�o da corte de D. Maria I, chegou a bacharelar-se em c�nones pela Universidade de Coimbra, mas s� se tem not�cia de seu conv�vio com os poetas contempor�neos (entre os quais Bocage e Jos� Agostinho) justamente porque estes costumavam interceder em seu favor quando era perseguido e punido pelo comportamento anti-social, ou seja, quando era preso por se exibir pelado em p�blico ou por escrever poemas como o soneto XLVIII, que, segundo den�ncia ao intendente da pol�cia, era "licencioso" e alusivo � "fornica��o dos c�es dentro das igrejas". Entre os poucos poemas de Const�ncio que apareceram impressos est� o soneto que reproduzo na nota 16, o qual foi (1812) inclu�do "por engano" pelo editor das obras de Bocage e exclu�do (1820) na reedi��o.

Fundamentada ou n�o, a pol�mica sobre os sonetos bocagianos ou constancianos permanece secund�ria diante do prop�sito desta seleta, que � introduzir na rede virtual outra pequena parcela do inesgot�vel "veio subterr�neo" (como dizia Jos� Paulo Paes) da poesia vern�cula: a fescenina. Assim pago meu tributo �queles que me foram antecessores no g�nero que escolhi e que levo avante no livro O GLOSADOR MOTEJOSO, no qual pin�o alguns dos versos abaixo como motes para as glosas que compus no "martelo agalopado", ou seja, o decass�labo her�ico iniciado por p� anap�stico ao inv�s de j�mbico.

Quase todos os sonetos infra transcritos foram tirados duma edi��o paulistana (1969), dentre as in�meras c�pias que circulam, mais ou menos clandestinamente, do livro POESIAS ER�TICAS, BURLESCAS E SAT�RICAS, ao qual me reporto nos pontos assinalados pela express�o "nota da fonte".

S�o Paulo, janeiro de 2002

GLAUCO MATTOSO






I (1) [SONETO NAPOLE�NICO]

Tendo o terr�vel Bonaparte � vista,
Novo An�bal, que esfalfa a voz da Fama,
"� capados her�is!" (aos seus exclama
Purp�reo fanfarr�o, papal sacrista):

"O progresso estorvai da atroz conquista
Que da filosofia o mal derrama?..."
Disse, e em f�rvido tom sa�da, e chama,
Santos surdos, var�es por sacra lista:

Deles em v�o rogando um pio arrojo,
Convulso o corpo, as faces amarelas,
Cede triste vit�ria, que faz nojo!

O r�pido franc�s vai-lhe �s canelas;
D�, fere, mata: ficam-lhe em despojo
Rel�quias, bulas, merdas, bagatelas.

(1) Este soneto foi escrito na ocasi�o em que o ex�rcito franc�s
comandado por Bonaparte invadira os estados eclesi�sticos (1797),
chegando quase �s portas de Roma, e amea�ando o solo pontif�cio. O verso
nono: "Delas em v�o rogando um pio arrojo," envolve uma esp�cie de
equ�voco, ou como hoje se diria um calemburgo [ou trocadilho]; porque
Pio VI era o papa, que ent�o presidia na "universal igreja de Deus". O
pen�ltimo verso l�-se em algumas c�pias do modo seguinte: "Zumba,
catumba; ficam-lhe em despojo". [nota da fonte]



II [SONETO DO EPIT�FIO]

L� quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que n�o fazem falta,
Verbi-gratia — o te�logo, o peralta,
Algum duque, ou marqu�s, ou conde, ou frade:

N�o quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarr�es, gente de malta,
Eu tamb�m vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epit�fio m�o piedosa:

"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".


III [SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]

Esse disforme, e r�gido porraz
Do semblante me faz perder a cor:
E assombrado d'espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para tr�s:

A espada do membrudo Ferrabr�s
De certo n�o metia mais horror:
Esse membro � capaz at� de p�r
A amotinada Europa toda em paz.

Creio que nas fodais recrea��es
N�o te h�o de a rija m�quina sofrer
Os mais corridos, s�rdidos ca��es:

De V�nus n�o desfrutas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos cal��es,
� porra de mostrar, n�o de foder.


IV [SONETO (DES)PEJADO]

Num capote embrulhado, ao p� de Armia,
Que tinha perto a m�e o ch� fazendo,
Na linda m�o lhe foi (oh c�us) metendo
O meu caralho, que de amor fervia:

Entre o susto, entre o pejo a mo�a ardia;
E eu solapado os beijos remordendo,
Pela fisga da saia a m�o crescendo
A chamada sacana lhe fazia:

Entra a vir-se a menina... Ah! que vergonha!
"Que tens?" — lhe diz a m�e sobressaltada:
N�o pode ela encobrir na m�o langonha:

Sufocada ficou, a m�e corada:
Finda a partida, e mais do que medonha
A noite come�ou da bofetada.


V [SONETO AO �RCADE FRAN�A]

No canto de um venal sal�o de dan�a,
Ao som de uma rebeca desgrudada,
Olhos em alvo, a porra arrebitada,
Bocage, o folgaz�o, rostia o Fran�a. (2)

Este, com mogigangas de crian�a,
Com a m�o pelos ovos encrespada,
Brandia sobre a roxa fronte al�ada
Do assanhado porraz, que quer lamban�a.

Veterana se faz a m�o bisonha;
Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,
Que em Bocage o tes�o vence a vergonha:

Quis vir-me por lux�ria, ou por capricho;
Mas em vez de acudir-lhe alva langonha
Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.


(2) "Bocage, o folgaz�o, rostia o Fran�a." Se o soneto foi escrito, como
parece, pouco antes das contendas com os �rcades, isto �, entre os anos
de 1791 e 1793, o Fran�a, nascido em 1725, devia ent�o contar os seus 67
de idade! -- "Rostir" � verbo neutro, que em sentido figurado significa
"mastigar". Fazemos aqui esta observa��o, porque j� notamos que algu�m
entrou em d�vida acerca da verdadeira intelig�ncia do voc�bulo. [nota da
fonte]

[nota de GM] Reparo como os cr�ticos ficam cheios de dedos, relutantes
em admitir qualquer conota��o homossexual na poesia de Bocage, ainda que
o poeta, em sonetos como o XV e o xx, n�o escondesse que um cu masculino
lhe era apetec�vel. Neste caso, o sentido de "rostir", al�m de surrar,
esbofetear, ro�ar, esfregar-se em, bolinar ou mesmo desonrar moralmente,
pode muito bem aludir ao sexo oral ou anal, pouco importando se o tal
Fran�a fosse o �rcade ou outro mais jovem, j� que o objetivo � expor o
satirizado ao rid�culo.



VI (3) [SONETO DE TODAS AS PUTAS]

N�o lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Put�ssimas fidalgas tem Lisboa,
Milh�es de vezes putas t�m reinado:

Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cle�patra por puta alcan�a a c'roa;
Tu, Lucr�cia, com toda a tua proa,
O teu cono n�o passa por honrado:

Essa da R�ssia imperatriz famosa,
Que inda h� pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo d�o a sua greta:
N�o fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra � tudo peta.

(3) Variante sugerida pelo pr�prio Bocage para o verso oitavo:
"N�o passa o cono teu por cono honrado".

[nota de GM] Este soneto suscitou d�vidas sobre a autoria (que alguns
atribuem a Jo�o Vicente Pimentel Maldonado) e inspirou v�rias par�dias,
entre as quais esta:



[SONETO DE TODOS OS CORNOS]
[Jos� Anselmo Correa Henriques]

N�o lamentes, Alcino, o teu estado,
Corno tem sido muita gente boa;
Corn�ssimos fidalgos tem Lisboa,
Milh�es de vezes cornos t�m reinado.

Siqueu foi corno, e corno de um soldado:
Marco Antonio por corno perdeu a c'roa;
Anfitri�o com toda a sua proa
Na F�bula n�o passa por honrado;

Um rei Fernando foi cabr�o famoso
(Segundo a antiga letra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;

Tudo no mundo � sujeito � greta:
N�o fiques mais, Alcino, duvidoso
Que isto de ser corno � tudo peta.


VII (4) [SONETO DO VELHO ESCANDALOSO]

Tu, oh demente velho descarado,
Esc�ndalo do sexo masculino,
Que por alta justi�a do Destino
Tens o impotente membro decepado:

Tu, que, em torpe furor incendiado
Sofres d'�mpia paix�o ardor maligno,
E a consorte gentil, de que �s indigno,
Entregas a infrut�fero castrado:

Tu, que tendo bebido o m�struo imundo,
Esse amor indiscreto te n�o gasta
D'�mpia mulher o orgulho furibundo;

Em castigo do v�cio, que te arrasta,
Saiba a �nclita L�sia, e todo o mundo
Que �s vil por g�nio, que �s cabr�o, e basta.

(4) Nas "Poesias sat�ricas in�ditas de M. M. B. du Bocage, coligidas
pelo professor A. M. do Couto" (Lisboa 1840), vem este soneto � p�gina
28, e tem a� o seguinte t�tulo: -- "A um m�sico velho chamado L. F." --
N�o alcan�amos alguma outra indica��o, nem mesmo vimos outras c�pias
deste soneto, com as quais pud�ssemos conferi-lo. [nota da fonte]



VIII (5) [SONETO DA CAGADA]

Vai cagar o mesti�o e n�o vai s�;
Convida a algum, que esteja no Gar�,
E com as longas cal�as na m�o j�
Pede ao cafre canudo e tambi�:

Destapa o banco, atira o seu fusc�,
Depois que ao liso cu assento d�,
Diz ao outro: "Oh amigo, como est�
A Rita? O que � feito da Nhonh�?"

"Vieste do Palmar? Foste a Pangin?
N�o me dar�s not�cias da Russu,
Que desde o outro dia inda a n�o vi?"

Assim prossegue, e farto j� de gu,
O branco, e respeit�vel canarim
Deita fora o cachimbo, e lava o cu.

(5) Diz-se que este soneto fora escrito em Goa e dirigido a D. Francisco
de Almeida, fidalgo de ra�a mesti�a cuja �ndole e costumes o poeta quis
assim escarnecer. Derramou por todo ele voc�bulos da l�ngua canarina,
cuja explica��o debalde se procurar� nos dicion�rios. Em edi��es
anteriores diz-se que "tambi�" quer dizer "tabaco"; "fusc�", "peido";
"gu", "trampa", etc. Valha a verdade! [nota da fonte]



IX [SONETO DA DONZELA ANSIOSA]

Arreitada donzela em fofo leito,
Deixando erguer a virginal camisa,
Sobre as roli�as coxas se divisa
Entre sombras sutis pachacho estreito:

De louro p�lo um c�rculo imperfeito
Os papudos beicinhos lhe matiza;
E a branca crica, nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito:

A voraz porra as guelras encrespando
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A mo�a treme, os olhos requebrados:

Como � inda bo�al, perde os sentidos:
Por�m vai com tal �nsia trabalhando,
Que os homens � que v�m a ser fodidos.


X [SONETO DA ESCULTURA ESCANDALOSA]

Esquentado fris�o, brutal masmarro
Girava em Santar�m na pobre feira;
Eis que divisa ao longe em couva ceira
Seus bons irm�os ser�ficos de barro:

O bruto, que arremeda um boi de carro
Na carranca feroz, parte � carreira,
Os sagrados bonecos escaqueira,
E arranca de ufania um longo escarro:

N'alma o santo furor lhe arqueja, e berra;
Mas v�s enchei-vos de �ntimo alvoro�o,
Povos, que do burel sofreis a guerra:

Que dos bonzos de barro o vil destro�o
� press�gio talvez de irem por terra
Membrudos fradalh�es de carne e osso!


XI [SONETO DA C�PULA ESCULPIDA]

Nesta, cuja mem�ria esquece � Fama,
Feira, que de Santar�m vem de ano em ano,
Jazia co'uma freira um franciscano;
Eram de barro os dois, de barro a cama:

Co'a m�o, que � virgindade inj�rias trama,
Pretendia o cabr�o ferrar-lhe o pano;
Eis que um negro barrasco, um Frei Tutano
O espet�culo v�, que os rins lhe inflama:

"Irra! Vens me ati�ar, gente danada!
N�o basta a felpa dos bur�is opacos,
Com que a carne rebelde anda ralada?"

"Fora, vis tenta��es, fora, velhacos!..."
Disse, e ao r�spido som de atroz patada
O escandaloso par converte em cacos.


XII [SONETO DO PRAZER MAIOR]

Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos c�us a f� mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Faz�-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar p� ante p�, e com ternura
Apert�-la nos bra�os casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

V�-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
� este o maior gosto que h� no mundo.


XIII [SONETO DO PAU DECIFRADO]

� pau, e rei dos paus, n�o marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
D� leite, sem ser �rvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:

Verga, e n�o quebra, como zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;
Brando �s vezes, qual vime, est� consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

� roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco � calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!

Para carvalho ser falta-lhe um U; [carualho]
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.


XIV [SONETO DO PREGADOR PECADOR]

Bojudo fradalh�o de larga venta,
Abismo imundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na ci�ncia burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta:

No p�lpito um domingo se apresenta;
Prega nas grades espantoso murro;
E acalmado do povo o gr�o sussurro
O dique das asneiras arrebenta.

Quatro putas mofavam de seus brados,
N�o querendo que gritasse contra as modas [qu'rendo]
Um pecador dos mais desaforados:

"N�o (diz uma) tu, padre, n�o me engodas:
Sempre me h� de lembrar por meus pecados
A noite, em que me deste nove fodas!"


XV (6) [SONETO DO PADRE PATIFE]

Aquele semi-cl�rigo patife,
Se eu no mundo fizera ainda apostas,
Apostara contigo que nas costas
O grande Pico tem de Tenerife:

C�lebre traste! � justo que se rife;
Eu tamb�m pronto estou, se disso gostas;
N�o haja mais perguntas, nem respostas;
Venha, antes que algum taful o bife:

Parece hermafrodita o corcovado;
Pela rachada parte (que apete�o)
Parece que emprenhou, pois anda opado!

Mas desta errada opini�o me des�o;
Pois que traz a crian�a no costado,
Deve ter emprenhado pelo sesso.

(6) O seguinte � o t�tulo deste soneto na cole��o de Couto, j� citada:
"A um cl�rigo fulo, De�o de Angola, que aqui veio a requerimentos, e era
corcovado naturalmente; corria o ano de 1800". [nota da fonte]



XVI [SONETO DO CARALHO POTENTE]

Porri-potente her�i, que uma cadeira
Sust�ns na ponta do caralho teso,
Pondo-lhe em riba mais por contrapeso
A capa de baet�o da alcoviteira:

Teu casso � como o ramo da palmeira,
Que mais se eleva, quando tem mais peso;
Se o n�o conservas a�aimado e preso,
� capaz de foder Lisboa inteira!

Que for�as tens no h�rrido marsapo,
Que assentando a disforme cachamorra
Deixa conos e cus feitos num trapo!

Quem ao ver-te o tes�o h� n�o discorra
Que tu n�o podes ser sen�o Priapo,
Ou que tens um guindaste em vez de porra?


XVII [SONETO DO PRAZER EF�MERO]

Dizem que o rei cruel do Averno imundo
Tem entre as pernas caralhaz lanceta,
Para meter do cu na aberta greta
A quem n�o foder bem c� neste mundo:

Tremei, humanos, deste mal profundo,
Deixai essas li��es, sabida peta,
Foda-se a salvo, coma-se a punheta:
Este prazer da vida mais jucundo.

Se pois guardar devemos castidade,
Para que nos deu Deus porras leiteiras,
Sen�o para foder com liberdade?

Fodam-se, pois, casadas e solteiras,
E seja isto j�; que � curta a idade,
E as horas do prazer voam ligeiras! (7)

(7) "As horas do prazer voam ligeiras." foi mote dado, a que este soneto
serviu de glosa, bem como o que adiante se transcreve sob n�mero XXX.
[nota da fonte]



XVIII (8) [SONETO AO �RCADE LERENO]

Nojenta prole da rainha Ginga,
Sabujo ladrador, cara de nico,
Loquaz saguim, burlesco Teodorico,
Osga torrada, est�pido rezinga;

E n�o te acuso de poeta pinga;
Tens lido o mestre In�cio, e o bom Supico;
De ocas id�ias tens o casco rico,
Mas teus versos tresandam a catinga:

Se a tua musa nos outeiros campa,
Se ao Miranda fizeste ode demente,
E o mais, que ao mundo est�lido se incampa:

� porque sendo, oh! Caldas, t�o somente
Um cafre, um gozo, um n�scio, um parvo, um trampa,
Queres meter nariz em cu de gente.

(8) � dirigido ao padre Domingos Caldas Barbosa (Lereno Selinuntino) ao
tempo das contendas com os �rcades. [nota da fonte]

[nota de GM] A este e outros poemas, os atingidos pela s�tira se
desforravam de Elmano (nome �rcade de Bocage) com sonetos deste tipo:



[SONETO AO VIL INSETO] [an�nimo]

Enquanto a rude plebe alvoro�ada
Do rouco vate escuta a voz de mouro,
Que do peito inflamado sai d'estouro
Por estreito bocal desentoada:

N�o cessa a cantilena acigarrada
Do vil inseto, do mordaz besouro;
Que � larga se criou por entre o louro
De que a s�bia Minerva est� c'roada:

Enquanto o cego ateu, calvo da tinha,
Com parolas confunde alguns basbaques,
Salmeando a amat�ria ladainha:

Eu n�o me posso ter; cheio de achaques,
Cansado de lhe ouvir — "Bravo! Esta � minha!"
Cago sem me sentir, desando em traques.


[OUTRO SONETO AO VIL INSETO] [J. Franco]

H� junto do Parnaso um turvo lago,
Aonde em r�s existem transformados
Os trovistas de cascos esquentados,
C�rebro frouxo, ou de miolo vago:

Por mais inf�mia sua, e mais estrago
Doou-lhe Febo os �nimos danados,
P'ra que exprimam em versos desasados
Os seus destinos vis, nos quais eu cago:

Aqui Bocage, vive, e d'aqui ralha,
E co'a tart�rea l�ngua pontiaguda
Bons e maus, maus e bons, tudo atassalha.

� vil inseto, e o g�nio atroz n�o muda,
Bem como a escura cor n�o muda a gralha,
E o hediondo fedor n�o perde a arruda.


[SONETO AO PECADOR MORTO] [B. M. Curvo Semedo]

Morreu Bocage, sepultou-se em Goa!
Chorai, mo�as venais, chorai, pedantes,
O insulso estragador das consoantes,
Que tantos tempos aturdiu Lisboa!

Por aventuras mil obteve a c'roa
Que a fronte cinge dos her�is andantes;
Inda veio de climas t�o distantes
� toa vegetar, versar � toa:

Este que v�s, com olhos macerados,
N�o � Bocage, n�o, rei dos brejeiros,
S�o apenas seus olhos descarnados:

Fugiu do cemit�rio aos companheiros:
Anda agora purgando seus pecados
Glosando aos caga�ais pelos outeiros.


[SONETO DO RETRATO MAL-FALADO] [an�nimo]

Esqueleto animal, cara de fome,
De Tim�o, e chap�u � holandesa,
Olhos espantadi�os, boca acesa,
D'onde o fumo, que sai, a todos some:

Milagre do Parnaso em fama e nome,
Em corpo galicado alma francesa,
Com voz medonha, l�ngua portuguesa,
Que aos bocados a honra e brio come:

Toda a mo�a, que dele se confia,
� virgem no serralho do seu peito;
Janela, que se fecha, putaria!

Neste esbo�o o retrato tenho feito;
Eis o grande e fatal Manoel Maria,
Que at� pintado perde o bom conceito.


XIX (9) [SONETO MA��NICO]

Turba esfaimada, multid�o canina,
Corja, que tem por deus ou Momo, ou Baco,
Reina, e decreta nos covis de Caco
Ignor�ncia daqui, dali rapina:

Colhe de alto sistema e lei divina
Imagin�rio jus, com que encha o saco;
Textos gagueja em v�o Doutor macaco
Por ouro, que promete alma sovina:

C�rculo umbroso de venais pedantes,
Com torpe ast�cia de maligna zorra
Usurpa nome excelso, e graus flamantes:

Ora mijei na s�cia, inda que eu morra
Corno, arrocho, bambu nos elefantes,
Cujo vulto � de an�es, a tromba � porra!

(9) A respeito da origem deste soneto, contou-se-nos que tendo Bocage
sido iniciado em uma das lojas ma��nicas, que naquela �poca existiam em
Lisboa (de que era Vener�vel Bento Pereira do Carmo, e Orador Jos�
Joaquim Ferreira de Moura, ambos deputados �s Cortes de 1821 e 1823, e
bem conhecidos na hist�ria pol�tica dos nossos tempos modernos)
freq�entara durante alguns meses aquela associa��o, assistindo �s suas
reuni�es, at� que desavindo-se um dia com os Irm�os por qualquer motivo
que fosse, em um acesso de c�lera rompera extemporaneamente neste
soneto, que rasgou depois de escrito; mas algu�m o tinha j� copiado,
ali�s suceder-lhe-ia o mesmo que a tantas outras produ��es do autor,
irremediavelmente perdidas. Doutor macaco -- Jos� Joaquim Ferreira de
Moura tinha efetivamente uma fisionomia amacacada, e gaguejava algum
tanto, segundo o testemunho dos seus contempor�neos. [nota da fonte]



XX (10) [AUTO-RETRATO]

Magro, de olhos azuis, car�o moreno,
Bem servido de p�s, me�o na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e n�o pequeno:

Incapaz de assistir num s� terreno,
Mais propenso ao furor do que � ternura,
Bebendo em n�veas m�os por ta�a escura
De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de mo�as mil) num s� momento
Inimigo de hip�critas, e frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Sa�ram dele mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.

(10) Este soneto, bem como os quatro seguintes, figuram com variantes na
citada edi��o de Couto, segundo a fonte. Neste, h� variante no verso 11,
"E somente no altar amando os frades," e no verso 14, "Num dia em que se
achou mais pachorrento.", segundo o fasc�culo da s�rie "Literatura
comentada" (Abril Educa��o, 1980), assinado por Marisa Lajolo e Ricardo
Maranh�o. [nota de GM]



XXI [SONETO DRAM�TICO]

Na cena em quadra tr�gico-invernosa
Zaida se impingiu (fradesco drama!)
Apareceu depois, com sede � fama,
Trag�dia mais igual, mais lastimosa:

O autor pranteia em frase aparatosa
Esfaqueado arrais, pimp�o d'Alfama;
Corno o protagonista, e puta a dama,
O mach�o � Sime�o, e a mula � Rosa:

Espicha o rabo (eu tremo ao proferi-lo)
Espicha o rabo ali o her�i na rua,
Qual Murat�o nos areais do Nilo!

Elmiro na tarefa cont�nua,
J� todos pela escolha, e pelo estilo
Rosnam que a nova pe�a � obra sua.


XXII [SONETO ARC�DICO]

N�o tendo que fazer Apolo um dia
�s Musas disse: "Irm�s, � benef�cio
Vadios empregar, demos of�cio
Aos s�cios v�os da magra Academia!"

"O Caldas satisfa�a � padaria;
O Fran�a d'enjoar tenha exerc�cio,
E o autor do entremez do Rei Eg�pcio
O P�gaso veloz conduza � pia!"

"V� na Uliss�ia tasquinhar o ex-frade:
Da sala o Quintanilha acenda as velas,
Em se juntando alguma sociedade!"

"Bernardo n�nias fa�a, e cague nelas;
E Belmiro, por ter habilidade,
Como d'antes trabalhe em bagatelas!"


XXIII [OUTRO SONETO AO FRAN�A]

Rapada, amarelenta, cabeleira,
Vesgos olhos, que o ch�, e o doce engoda,
Boca, que � parte esquerda se acomoda,
(Uns afirmam que fede, outros que cheira):

Japona, que da ladra andou na feira;
Ferrugento faim, que j� foi moda
No tempo em que Albuquerque fez a poda
Ao soberbo Hidalc�o com m�o guerreira:

Ru�o cal��o, que esporra no joelho
Meia e sapato, com que ao lodo avan�a,
Vindo a encontrar-se c'o esburgalhado artelho:

Jarra, com apetites de crian�a;
Cara com semelhan�a de besbelho;
Eis o bedel do Pindo, o doutor Fran�a.


XXIV [SONETO AO LEIT�O]

Pilha aqui, pilha ali, vozeia autores,
Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e v�rios;
Prop�e sistemas, tira corol�rios,
E usurpa o tom d'enf�ticos doutores:

Ci�ncia de livreiros e impressores
Tem da vasta mem�ria nos arm�rios;
E tratando os crist�os de vision�rios,
S� rende culto a V�nus, e aos Amores:

A mulher, que a barriga lhe tem forra
Do jugo da vital necessidade,
Deixa em casa gemer como em masmorra:

Este biltre, lab�u da humanidade,
� um tal bacharel Leit�o de borra,
Lascivo como um burro, ou como um frade.


XXV [SONETO DO DI�LOGO CONJUGAL]

N�o chores, cara esposa, que o Destino
Manda que parta, � guerra me convida;
A honra prezo mais que a pr�pria vida,
E se assim n�o fizera, fora indigno.

"Eu te acho, meu Conde, t�o menino
Que receio..." — Ah! N�o temas, n�o, querida;
A francesa na��o ser� batida,
Este peito, que v�s, � diamantino.

"Como � cr�vel que sejas t�o valente?..."
Eu herdei o valor de av�s, e pais,
Que essa virtude tem a ilustre gente.

"Por�m se as for�as desiguais...?"
Irra, Condessa! �s muito impertinente!
Tornarei a fugir, que queres mais?


XXVI (11) [SONETO ANTICLERICAL]

Se quereis, bom Monarca, ter soldados
Para compor lustrosos regimentos,
Mandai desentulhar esses conventos
Em favor da pregui�a edificados:

Nos Bernardos lamb�es, e asselvajados
Achareis mil guerreiros corpulentos;
Nos Vicentes, nos Neris, e nos Bentos
Outros tantos, n�o menos esfor�ados:

Tudo extingui, senhor: fiquem somente
Os Franciscanos, Loios, e Torneiros,
Do Centimano asp�rrima semente:

Existam estes lobos carniceiros,
Para n�o arruinar inteiramente
Putas, p�vias, ca��es, e alcoviteiros.

(11) [nota de GM] Este, como outros sonetos de Bocage, instigou in�meros
sonetistas a tamb�m hostilizar o clero. Alguns exemplos:



[SONETO DOS DONATIVOS]
[Francisco Manoel do Nascimento]

Cristo morreu h� mil e tantos anos;
Foi descido da cruz, logo enterrado;
E ainda assim de pedir n�o tem cessado
Para o sepulcro dele os franciscanos!

Tornou a ressurgir dentre os humanos;
Subiu da terra ao c�u, l� est� sentado;
E � sa�de dele sepultado
Comem � nossa custa estes maganos:

Cuidam os que lhes d�o a sua esmola
Que ela se gasta na fun��o mais pia...
Quanto vos enganais, oh gente tola!

O altar mor com dois cotos se alumia:
E o fradinho co'a puta, que o consola,
Gasta de noite o que lhe dais de dia.


[SONETO DA ESMOLA DESVIRTUADA] [an�nimo]

Padre Frei Cosme, vossa rever�ncia
Se engana, ou enganar-nos talvez tenta:
Quem as riquezas d�, quem nos sustenta,
N�o � de Deus a suma provid�ncia?

Pois logo com que cara ou consci�ncia
Esmola pede, e arrepanhar intenta
Para o Senhor da Paz, ou da Tormenta?
Tem Deus do homem acaso depend�ncia?

Tire a m�scara pois, largue a sacola,
E deixe o povo, a quem impunemente
Em nome do Senhor escorcha, e esfola:

� vi�va deixe a esmola, e ao indigente;
E n�o queira, hip�crita far�ola
Foder � custa da devota gente.


[SONETO DO MONGE CALUNIADO] [an�nimo]

L�ngua mordaz, infame e maldizente,
N�o ouses murmurar do bom prelado:
Inda que o vejas com Alcipe ao lado.
Amigo n�o ser�, ser� parente:

Geral da Ordem, pregador potente,
No jogo padre-mestre jubilado,
E tamb�m caloteiro descarado
Pode ser que o repute alguma gente:

E que te importa que fornique a mo�a?
Que pregue o evangelho por dinheiro?
Que em vez de andar a p� ande em carro�a?

Talvez que disso seja um verdadeiro
Dos monges exemplar, da Serra d'Ossa,
Pois que dos monges � hoje o primeiro.


XXVII [SONETO DO MOURO DESMORALIZADO]

Veio Muley — Achmet marroquino
Com duros trigos entulhar Lisboa;
Pagava bem, n�o houve mo�a boa
Que n�o provasse o casco adamantino:

Passou a um semin�rio feminino,
Dos que mais bem providos se apregoa,
Onde a um frade bem fornida ilhoa
Dava d'esmola cada dia um pino:

Tinha o mouro fodido largamente,
E j� bazofiando com desdouro
Tratava a na��o lusa d'impotente:

Entra o frade, e ao ouvi-lo, como um touro
Passou tudo a caralho novamente,
E o triunfo acabou no cu do mouro.


XXVIII [SONETO DO CORNO INTERESSEIRO]

Uma noite o Scopezzi mui contente
(Depois de borrifar a sacra espada
Que traz de rubra fita pendurada
Com cuspo, e vinho, que vomita quente):

Conversava co'a esposa em voz tremente
Sobre a grande ventura inesperada
De ser a sua Pl�cida adorada
Por um Marqu�s t�o rico, e t�o potente:

A velha lhe replica: Isso � verdade;
Enquanto mo�a for, nunca o dinheiro
Faltar� nesta casa em quantidade.

"Mas tu sempre �s o taful�o primeiro:
Pois tendo cabr�o sido noutra idade,
�s agora o maior alcoviteiro!"


XXIX (12) [SONETO DA DAMA CAGANDO]

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Por�m o ver cagar a formosura
Mete nojo � vontade mais gulosa!

Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta d'amores de alimpadura
Serviu �quela parte malcheirosa:

Ora mandem � mo�a mais bonita
Um escrito d'amor que lisonjeiro
Afetos move, cora��es incita:

Para o ir ver servir de reposteiro
� porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio pal�cio do alcatreiro!

(12) Tanto este, como o que adiante segue sob n�mero XXXII, andam em
algumas cole��es atribu�das ao Abade de Jazente. [nota da fonte]



XXX (13) [OUTRO SONETO DO PRAZER EF�MERO]

Quando do gr�o Martinho a fatal Marca
O termo fez soar no seu chocalho,
Levou tr�s dias a passar caralho
Do medonho Caronte a negra barca;

Eis no terceiro dia o padre embarca,
E o velho, que a ningu�m faz agasalho,
Em pr�mio quis s� ter do seu trabalho
O g�udio de ver porra de tal marca:

Pegou-se ao c�o trifauce a voz na goela
Ao ver de membro tal as dianteiras,
E Plut�o a mulher p�s de cautela:

Por�m Dido gritou �s companheiras:
"Agora temos porra; a ela, a ela,
Que as horas de prazer voam ligeiras!"

(13) Ver XVII.


XXXI [SONETO DA PUTA NOVATA]

Dizendo que a costura n�o d� nada,
Que n�o sabe servir quem foi senhora,
A impulsos da paix�o fornicadora
Sobe d'alcoviteira a mo�a a escada.

Seus desejos lhe pinta a malfadada,
E a tabaquanta velha sedutora
Diz-lhe: "Veio menina, em bela hora,
Que essas, que a� tenho, j� n�o ganham nada".

Matricula-se aqui a tal pateta,
Em punhetas e fodas se industria,
Enquanto a mestra lhe n�o rifa a greta:

Chega, por fim, o fornic�rio dia;
E em pouco a menina de muleta
Passeia do hospital na enfermaria.


XXXII (14) [SONETO ASCOROSO]

Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
H�lito sai, �s vezes bem ascoroso; [pronuncia-se "ascroso"]
A mais nevada m�o sempre � for�oso
Que de sua dona o cu tenha tocado:

Ao p� dele a melhor natura mora,
Que deitando no m�s podre gordura,
F�tido mijo lan�a a qualquer hora.

Caga o cu mais alvo merda pura:
Pois se � isto o que tanto se namora,
Em ti, mijo, em ti cago, oh formosura!

(14) [nota de GM] Este soneto, �s vezes atribu�do ao Abade de Jazente,
�, por sua vez, variante dum outro, de autor an�nimo do s�culo XVII:



[SONETO DA PORCARIA]

Que fio de ouro, que cabelo ondado,
piolhos n�o criou, l�ndeas n�o teve?
Que raio de olhos blasonar se atreve,
que n�o foi de remelas mal tratado?

Que boca se acha ou que nariz prezado
aonde monco ou escarro nunca esteve?
E de que cristal ou branca neve
n�o se viu seu besbelho visitado?

Que papo de mais bela galhardia
que um dedo est� do cu s� dividido,
n�o mijou e regra tem todos os meses?

Pois se amor � tudo merda e porcaria,
e por este monturo andais perdido,
cago no amor e em v�s trezentas vezes.


XXXIII [SONETO DO CORNO CHOROSO]

Se o gr�o serralho do Sophi potente,
Ou do Sult�o feroz, que rege a Tr�cia,
Mil V�nus de Ge�rgia, oh! da Circ�ssia
Nuas prestasse ao meu desejo ardente:

Se negros brutos, que parecem gente,
Ministros fossem de lasciva aud�cia,
Inda assim do ci�me a pertin�cia
No peito me nutria ardor pungente:

Erraste em produzir-me, oh! Natureza,
Num pa�s onde todos fodem tudo,
Onde leis n�o conhece a porra tesa!

Cioso afeto, afeto carrancudo!
Zelar mo�as na Europa � �rdua empresa,
Entre n�s ser amante � ser cornudo.


XXXIV (15) [SONETO DA BEATA ESPERTA]

N�o te crimino a ti, plebe insensata,
A v� supersti��o n�o te crimino;
Foi natural, que o frade era ladino,
� esperta em macaquices a beata:

S� crimino esse her�i de bola chata,
Que na escola de Marte inda � menino,
E ao falso pastor, pastor sem tino,
Que t�o mal das ovelhas cura, e trata:

�tem, crimino o respeit�vel Cunha,
Que a frias petas cr�dito n�o dera,
A ser fil�sofo, como supunha:

Coitado! Protestou com voz sincera
Fazer geral, contrita caramunha,
Por�m ficou pior que d'antes era!

(15) [nota de GM] O hermetismo deste soneto parece impenetr�vel a quem
n�o conhe�a o fato aludido, o caso da beata de �vora, cuja morte
milagrosa foi produto duma farsa preparada pelo clero local, que acabou
desmascarada. Outros sonetos da �poca aludiram ao epis�dio, como estes
atribu�dos a Miguel Tib�rio Pedagache:



[SONETO DO FALSO MILAGRE]

De c'roa virginal a fronte ornada,
Em l�gubres mortalhas envolvida
A beata fatal jaz estendida,
De assistentes contritos rodeada:

Um se tem por j� salvo em ter chegada
Ao lindo p� a boca comovida
Outro protesta reformar a vida:
Por�m ela respira, e est� corada!

Que � santa, e que morreu, com juramentos
Afirma audaz o fa�anhudo frade
E que prod�gios s�o seus movimentos

O devoto audit�rio se persuade:
Renovam-se os protestos e os lamentos:
Triste religi�o! Pobre cidade!


[SONETO DA SUPOSTA SANTA]

Acredite, sentado aos quentes lares
Nas noites invernosas de janeiro,
Lendo em Carlos Magno o sapateiro
As proezas cru�is dos doze Pares:

Creiam que v�m as bruxas pelos ares
A chupar as crian�as no traseiro;
Comam quanto lhes diz o gazeteiro,
De casos, de sucessos singulares:

Por�m, que uma beata amortalhada,
Com a cara vermelha e corpo mole,
E santa por um frade apregoada:

Que respire, que os bra�os desenrole,
E seja por defunta acreditada,
Isto somente em �vora se engole!


XXXV [SONETO DA AMADA GABADA]

Se tu visses, Josino, a minha amada
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois seu nevado, rubicundo rosto
�s mais formosas n�o inveja nada:

Na sua boca V�nus faz morada:
Nos olhos tem Cupido as setas posto;
Nas mamas faz Lasc�via o seu encosto,
Nela, enfim, tudo encanta, tudo agrada:

Se a �sia visse coisa t�o bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
A gente, que na foda se exercita!

Beleza mais completa haver n�o pode:
Pois mesmo o cono seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: "Fode, fode!"


XXXVI (16) [SONETO DAS GL�RIAS CARNAIS]

Cante a guerra quem for arrenegado,
Que eu nem palavra gastarei com ela;
Minha Musa ser� sem par canela
Co'um felpudo coninho abraseado:

Aqui descreverei como arreitado
Num mar de bimbas navegando � vela,
Cheguei, prop�cio o vento, � doce, �quela
Enseada d'amor, rei coroado:

Direi tamb�m os beijos sussurrantes,
Os intrincados n�s das l�nguas ternas,
E o aturado fungar de dois amantes:

Estas gl�rias ser�o na fama eternas
�s minhas cinzas me far�o descantes
F�meos vindouros, alargando as pernas.

(16) [nota de GM] Este e os pr�ximos sonetos foram transcritos dum
caderno onde estavam misturados aos de Pedro Jos� Const�ncio, poeta que
morreu louco, v�tima da vida desregrada e dos males ven�reos, cujo
estilo e tem�tica, bem semelhantes aos bocagianos, gerou confus�es entre
alguns estudiosos, que n�o conseguiram distinguir uns dos outros. Por
via das d�vidas, o soneto abaixo � com certeza de autoria do meu
lun�tico xar�:



[SONETO DO NINHO] [Pedro Jos� Const�ncio]

Para iludir o suspirado encanto,
Por quem debalde h� longo tempo ardia,
"Um ninho achei, oh L�sbia (eu lhe dizia)
Como � dos pais delicioso o canto!"

Assim doloso me expressava, em quanto
Um alegre alvoro�o em L�sbia eu via:
"Ah! onde o deparaste?" (ela inquiria)
"Vem (lhe torno) comigo ao p� do acanto":

Por um bosque me fui co'os meus amores,
Pergunta aos ramos pelo implume achado,
E respondendo s� v�o meus furores.

Conhece... quer fugir ao la�o armado,
Na encosta a vergo, que afofavam flores,
Beijo-lhe as iras... fique o mais calado.


XXXVII [SONETO DO CARALHO APATETADO]

Fiado no fervor da mocidade,
Que me acenava com tes�es chibantes,
Consumia da vida os meus instantes
Fodendo como um bode, ou como um frade.

Quantas pediram, mas em v�o, piedade
Encavadas por mim balbuciantes!
Ficando a gordos sessos alvejantes
Que hemorr�ides n�o fiz nesta cidade!

� for�a de brigar fiquei mamado;
Vista ao caralho meu, que de gaiteiro
Est� sobre os colh�es apatetado:

Oh Numen tutelar do mijadeiro!
Levar-te-ei, se tornar ao teso estado,
Por oferenda espetado um parrameiro.


XXXVIII [SONETO DO JURAMENTO]

Eu foder putas?... Nunca mais, caralho!
H�s de jurar-mo aqui, sobre estas Horas:
E vamos, vamos j�!... Por�m tu choras?
"N�o senhor (me diz ele) eu n�o, n�o ralho":

Batendo sobre as Horas como um malho,
"Juro (diz ele) s� foder senhoras,
Das que abrem por amor as tentadoras
Pernas �quilo, que arde mais que o alho".

Co'a for�a do jurar esfolheando
O sacro livro foi, e a ardente sede
O fez em mar de ranho ir solu�ando...

Ah! que fizeste? O c�u teus passos mede!
Anda, her�tico filho miserando,
Levanta o dedo a Deus, perd�o lhe pede!


XXXIX [SONETO ANAL]

"Ora deixe-me, ent�o... faz-se crian�a?
Olhe que eu grito, pela m�e chamando!"
Pois grite (ent�o lhe digo, amarrotando
Saiote, que em baix�-lo irada cansa):

Na quente luta lhe desgrenho a tran�a
A an�gua lhe levanto, e fumegando,
As estreitadas bimbas separando
Lhe arrimo o caralh�o, que n�o se amansa:

Tanto a ser g�ria, n�o gritava a bela:
Que a cada grito se escorvava a porra,
Fazendo-lhe do cu saltante pela!

— H� de pagar-me as manga��es de borra,
Basta de cono, ponha o sesso � vela,
Que nele ir quero visitar Gomorra.


XL [SONETO DA PUTA ASSOMBROSA]

Pela rua da Rosa eu caminhava
Eram sete da noite, e a porra tesa;
Eis puta, que indicava assaz pobreza,
Co'um lencinho � janela me acenava:

Quais conselhos? A porra fumegava;
"Hei de seguir a lei da natureza!"
Assim dizia e efeituou-se a empresa;
Prep�cio para tr�s a porta entrava:

Sem que sa�de a mo�a prazenteira
Se arrima com furor n�o visto � crica,
E a bela a mole-mole o cu peneira:

Ningu�m me gabe o rebolar d'Anica;
Esta puta em foder excede � Freira,
Excede o pensamento, assombra a pica!


XLI [SONETO DO GOZADOR CO�ADOR]

"Apre! n�o metas todo... Eu mais n�o posso..."
Assim M�rcia formosa me dizia;
— N�o sou b�rbaro (� mo�a eu respondia)
Brandamente ver�s como te co�o:

"Ai! por Deus, n�o... n�o mais, que � grande! e grosso!"
Quem resistir ao seu falar podia
Meigamente o coninho lhe batia;
Ela diz "Ah meu bem! meu peito � vosso!"

O rebolar do cu (ah!) n�o te esque�a
Como �s bela, meu bem! (ent�o lhe digo)
Ela em suspiros mil a ard�ncia expressa:

Por te unir fazer muito ao meu umbigo;
Assim, assim... menina, mais depressa!...
Eu me venho... ai Jesus!... vem-te comigo!


XLII [SONETO DO GOZO VITORIOSO]

Vem c�, minha Mar�lia, t�o roli�a,
So'as bochechas da cor do meu caralho,
Que eu quero ver se os bei�os embaralho
Co'esses teus, onde amor a ard�ncia ati�a:

Que abrimentos de boca! Tens pregui�a?
Hospeda-me entre as pernas este malho,
Que eu te ponho j� tesa como um alho;
Ora chega-te a mim, leva esta pi�a...

Ora mexe... que tal te sabe, amiga?
Ent�o foges c'o sesso? � forte hist�ria!
Ele � bom de levar, n�o, n�o � viga.

"Eu grito!" (diz a mo�a merenc�ria).
Pois grita, que espetada nesta espiga
Com porrais salvas cantarei vit�ria.


XLIII [SONETO DO LASCIVO PEZINHO]

Dormia a sono solto a minha amada,
Quando eu p� ante p� no quarto entrava:
E ao ver a linda mo�a, que arreitava,
Sinto a porra de gosto alvoro�ada:

Ora do rosto eu vejo a nevada
Pudibunda bochecha, que encantava;
Outrora nas maminhas demorava
S�frega, ardente vista embasbacada:

Por�m vendo sair dentre o vestido
Um lascivo pezinho torneado,
Bispo-lhe as pernas e fiquei perdido:

Vai sen�o quando, o meu caralho amado
Bem como En�ias acordava Dido,
Salta-lhe ao p�lo, pro seguir seu fado.


XLIV [SONETO DA PORRA BURRA]

Eram oito do dia; eis a criada
Me corre ao quarto, e diz "A� vem menina
Em busca sua; faces de bonina,
Olhos, que quem os viu n�o quer mais nada".

Eis me visto, eis me lavo, e esta engra�ada
Fui ver incontinenti; oh c�us! que mina!
Que breve p�! Que perna t�o divina!
Que maminhas! que rosto! Oh, que � t�o dada!

A porra nos cal��es me dava urros;
Eis a levo ao meu leito, e ela rubente
N�o podia sofrer da porra os murros;

"Ai!... Ai!... (de quando em quando assim se sente)
Uma porra tamanha � dada aos burros,
N�o � porra capaz de foder gente".


XLV [SONETO DO CARALHO GOVERNANTE]

Pela escadinha de um cour�o subindo
Parei na sala onde n�o entra o pejo;
Chinelo aqui e ali suado vejo,
E o fato de cordel pendente, rindo;

Quando em mis�ria tanta refletindo
Estava, me apareceu ninfa do Tejo,
Roendo um fatacaz de p�o com queijo,
E para mim num ai vem rebolindo:

D�-me um grito a raz�o: — "Eia, fujamos,
Minha porra infeliz, j� deste inferno...
Mas tu respingas? Tenho dito, vamos..."

Eis a porra assim diz: — "Com �dio eterno
Eu, e os s�cios colh�es em ti mijamos;
Para baixo do umbigo eu s� governo".


XLVI [SONETO MATINAL]

Eram seis da manh�; eu acordava
Ao som de m�o, que � porta me batia;
"Ora vejamos quem ser�"... dizia,
E assentado na cama me zangava.

Brando rugir da seda se escutava,
E sapato a ranger tamb�m se ouvia...
Salto fora da cama... Oh! que alegria
N�o tive, olhando Armia, que arreitava!

Temendo venha algu�m, a porta fecho:
Co'um chup�o lhe saudei a r�sea boca,
E na rompente mama alegre mexo:

O caralho estouvado o cono aboca;
Bate a gostosa greta o rubro queixo,
E a matinas de amor a porra toca.


XLVII [SONETO DO COITO INTERROMPIDO]

"Mas se o pai acordar!..." (M�rcia dizia
A mim, que � meia-noite a trombicava)
"Hoje n�o..." (continua, mas deixava
Levantar o saiote, e n�o queria!)

Sempre em p� a dizer: "Ent�o, avia..."
Sesso � parede, a porra me ag�entava:
Uma coisa notei, que me arreitava,
Era o cal�ado p�, que ent�o rangia:

Vim-me, e assentado num degrau da escada,
Dando alimpa ao caralho, e mais � greta
Nos preparamos para mais porrada:

Por variar, nas m�os meti-lhe a teta;
Tosse o pai, foge a filha... Oh vida errada!
L� me ficou em meio uma punheta!


XLVIII [SONETO DA C�PULA CANINA]

Quando no estado natural vivia
Metida pelo mato a esp�cie humana,
Ai da gentil menina desumana,
Que � for�a a greta virginal abria!

Entrou o estado social um dia;
Manda a lei que o irm�o n�o foda a mana,
� crime at� chuchar uma sacana,
E pesa a excomunh�o na sodomia:

Quanto, lascivos c�es, sois mais ditosos!
Se na igreja gostais de uma cachorra,
L� mesmo, ante o altar, fodeis gostosos:

Enquanto a linda mo�a, feita zorra,
Voltando a custo os olhos voluptuosos,
P�e no altar a vista, a id�ia em porra.


XLIX [SONETO DA MOCETONA PUDIBUNDA]

Levanta Alzira os olhos pudibunda
Para ver onde a m�o lhe conduzia;
Vendo que nela a porra lhe metia
Fez-se mais do que o n�car rubicunda:

Toco o pentelho seu, toco a rotunda
Lisa bimba, onde Amor seu trono erguia;
Entretanto em desejos ela ardia,
Brando licor o p�ssaro lhe inunda:

C'o dedo a greta sua lhe co�ava;
Ela, maquinalmente a m�o movendo,
Docemente o caralho me embalava;

"Mais depressa" — Lhe digo ent�o morrendo.
Enquanto ela sinais do mesmo dava;
M�stica p�via assim fomos comendo.


L [SONETO DO OF�CIO MERETR�CIO]

Uma empada de g�lico � janela,
Fazendo meia, alinhavando trapos,
Enquanto a guerra faz tudo em farrapos,
Pondo o honrado a pedir, e a virgem bela!

Vai a trombuda, s�rdida Michela
Fazendo guerra a marujais marsapos,
E sem que deste mil lhe fa�am papos,
C'o sesso tamb�m d� �s porras trela:

Tudo em metal por dois canais ajunta;
Recrutas nunca teme, e do Castelo
Se ri, que aos beleguins as m�os lhes unta:

Nas p�blicas fun��es vai dar-se ao prelo:
Minh'alma agora, meu leitor, pergunta
Se o ser puta n�o � of�cio belo?


LI [SONETO DO CARALHO DECADENTE]

Com que m�goa o n�o digo! Eu nem te vejo,
Meu caralho infeliz! Tu, que algum dia
Na gaiteira amorosa filistria
Foste o regalo do meu p�trio Tejo!

Sem te importar o feminino pejo,
Traz a mimosa virgem, que fugia,
Ficando � terna, afadigada Armia,
Lhe pespegavas no coninho um beijo:

Hoje, canal de f�tida remela,
O misantropo do pa�s das bimbas,
Apenas olhas c�ndida donzela!

Deitado dos colh�es sobre as tarimbas,
S� co'a mem�ria em feminil canela
�s vezes p�via casual cachimbas.


LII [SONETO DO ADEUS �S PUTAS]

Que eu n�o possa ajuntar como o Quintela
� coisa que me aflige o pensamento;
Desinquieta a porra quer sustento,
E a p�via trata j� de bagatela:

Se n'outro tempo houve alguma bela
Que o amor s� desse o cono penugento,
Isso foi, j� n�o �; que o mais sebento
Caga�al quer dur�zia caravela:

Perdem sa�de, bolsa, e economia;
Nunca mais me ver�o meu membro roto;
Est� a� minha porral filosofia.

Putas, adeus! N�o sou vosso devoto;
Co'um sesso enganarei a fantasia,
Numa escada enrabando um bom garoto.

CECÍLIA MEIRELES - BIOGRÁFIA

Cecília Meireles*: vida e obra
Nelly Novaes Coelho
Universidade de São Paulo
Uma grande voz feminina da Poesia Brasileira, Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu
no Rio de Janeiro, em 07.11.1901. Faleceu em 09.11.1964, vitimada pelo câncer. Órfã de mãe e
pai, desde muito nova foi criada pela avó materna, Jacinta Garcia Benevides, nascida em São
Miguel (Açores).
Inteligência alerta, desde menina foi atraída pelos estudos e leituras. Formou-se na Escola
Normal do Rio de Janeiro (1917) e ingressou no magistério. Estudou canto e violino no
Conservatório Nacional de Música. Dedicou-se também ao estudo de línguas e muito cedo
começou a escrever poesia. Em 1919, estreou como poeta, com o livro Espectros, dando início
a uma carreira que levaria anos para se consolidar.
Em 1922 casa-se com o artista plástico português, Fernando Correia Dias, recémradicado
no Brasil, e através de quem Cecília entrou em contato com o movimento poético em
Portugal, no início do século xx (e nele, Fernando Pessoa). Tiveram três filhas, Maria Elvira,
Maria Matilde e Maria Fernanda. A partir da publicação de Nunca mais e... (1923), Correia
Dias se torna o ilustrador dos livros de Cecília. Mas a vida de casados não era fácil, conforme
o registra, Eliane Zaguri, em Cecília Meireles (Poetas Modernos do Brasil, 1973):
...as dificuldades econômicas são grandes. Os preconceitos da época /.../ tornam ainda mais penoso
o encargo da subsistência para o artista plástico e a professora. /.../ Em 1929, Cecília apresenta a
tese “O Espírito vitorioso”, para a cátedra de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. A
defesa é brilhante, mas incapaz de vencer as mentes predispostas já a oferecer o cargo a quem fosse
reconhecidamente do grupo católico. Segue-se um período difícil, de perseguição mais ou menos
velada, em que durante quatro anos, por ironia e desagravo de sua capacidade pedagógica, Cecília
Meireles mantém uma página diária sobre Educação, no Diário de Notícias.
No início de 1934, designada pela Secretaria da Educação, para dirigir um Centro Infantil
a ser instalado no Pavilhão Mourisco, Cecília cria a primeira Biblioteca Infantil do Rio de
Janeiro. Correia Dias, encarregado da decoração do espaço, transforma o ambiente em uma
espécie de cidade encantada, adaptada para múltiplas atividades educativas e recreativas
oferecidas às crianças.
Nesse mesmo ano, Cecília faz sua primeira viagem ao Exterior. A convite do Governo
Português e em companhia do marido vai a Portugal e se apresenta em várias palestras e
conferências nas Universidades de Lisboa e em outras entidades. Nessa viagem, viveu um
episódio curioso: marcara um encontro com Fernando Pessoa, na Brasileira do Chiado, pois já
conhecia sua poesia e desejava conhecê-lo pessoalmente. Esperou-o durante duas horas, mas
Fernando Pessoa não apareceu. Ao voltar ao hotel, Cecília encontrou um livro do poeta, com o
pedido de desculpas pelo não-comparecimento. Motivo: o horóscopo, feito pela manhã,
indicava que ambos não deviam se encontrar. O livro era a Mensagem, que acabara de ser
publicado e também o único publicado em vida do poeta. Desse episódio, conclui-se que a
primeira pessoa a ler esse livro no Brasil, foi Cecília Meireles.
No ano seguinte a essa viagem, agravam-se as crises de depressão que acometiam
* Verbete “Cecília Meireles”, no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras (1711-2001) de Nelly Novaes
Coelho (a ser publicado em breve pela Editora Escrituras).
2
Correia Dias e ele se suicida. Viúva e com o encargo de três filhas, Cecília vive um período
extremamente difícil. Entre os anos 1936 e 1938, Cecília desdobra-se em atividades: leciona
Literatura Luso-brasileira, Técnica e Crítica Literária (Universidade do Distrito Federal);
escreve regularmente crônicas e artigos sobre folclore, educação e literatura, para diversos
jornais (A Manhã, Correio Paulistano, A Nação...) e passa a trabalhar no DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda), como responsável pela revista Travel in Brazil.
Nessa época recebe uma carta de desconhecido, que sugere a eliminação de um dos “ll”
de seu sobrenome (Meirelles), para torna-lhe a vida mais leve. Foi o que fez Cecília, passando
a grafar o sobrenome com um só “l” (Meireles). Por coicidência ou não, (Yo no lo creo em las
brujas, pero que las hay...), a partir daí os acontecimentos felizes se sucederam: seu livro
Viagem (1939) ganha o Prêmio Poesia/Ac. Brasileira de Letras; logo após conhece o médico
Heitor Grilo, com quem se casa no ano seguinte, viajando ambos para os Estados Unidos e
México. Nessa ocasião, com o patrocínio do DIP, Cecília ministra um curso de Literatura e
Cultura Brasileira na Universidade do Texas/Austin. A partir desse momento, sua vida entra em
equilíbrio e sua carreira de poeta ganha altitude.
Em 1951, secretaria o I Congresso Nacional de Folclore no Rio Grande do Sul. Nesse
mesmo ano, viaja novamente para a Europa (França, Bélgica, Holanda e Portugal). Em 1953,
como convidada do Primeiro Ministro Neruh, participa de um Simpósio na Índia, sobre a obra
de Gandhi. Na ocasião recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi.
Compõe os Poemas escritos na Índia, sob a emoção de entrar em contato com uma cultura que,
há anos, ela pesquisava nos livros e amava. Na volta, detém-se na Itália, onde escreve os
Poemas Italianos. Em 1958, é convidada para um ciclo de conferências em Israel e vive a
emoção de visitar os lugares santos, que sempre exerceram grande fascínio sobre sua
sensibilidade. Aos sessenta e três anos, em plena maturidade existencial e atividade criadora, a
doença tornou-a “encantada” (como dizia Guimarães Rosa). Repousa no Cemitério de São João
Batista (Botafogo), túmulo nº 8951, quadra 13 a. lápide simples, contendo apenas seu nome e
datas: 1901-1964.
Solombra (1963) foi o último livro publicado em vida, por Cecília Meireles. É ele uma
“parte” que contém o “todo” de seu universo poético.
Falar contigo. /.../ Dizer com claridade o que existe em segredo. / Ir falando contigo e não ver
mundo ou gente. / E nem sequer te ver, mas ver eterno o instante / No mar da vida ser coral de
pensamento.
Aí se entremostra, metaforicamente, a problemática filosófico-existencial que está na
gênese de sua criação poética:
– “Falar contigo” (anseio de se sentir participante do absoluto ou Mistério divino/cósmico);
– “ver eterno o instante” (ânsia de descobrir o verdadeiro espaço ocupado pela efêmera vida
humana, dentro da eternidade cósmica que a abarca) e
– “No mar da vida ser coral de pensamento.” (aceitação de seu destino de poeta, cuja tarefa
maior seria captar, nomear ou instaurar em palavra, a verdade/beleza/eternidade ocultas nos
seres e coisas fugazes, para comunicá-las aos homens e perpetuá-las no tempo.
Em permanente diálogo com o mistério do Absoluto (Deus), com a fugacidade da vida, o
inevitável da morte e a possível tarefa da poesia, Cecília Meireles é, no âmbito da literatura
brasileira, uma das vozes mais autênticas da grande crise espiritual que se instaura no entreséculos
(séc. XIX.XX) e se prolonga até nossos dias, sob as mais variadas formas. De
autêntico húmus religioso (no exato sentido etimológico do termo latino, re-ligio, re-ligação do
homem ao cosmos ou Deus), a poesia ceciliana expressa não só a fusão das múltiplas e altas
3
experiências formais e temáticas da poesia-século XX, mas principalmente o difícil avançar em
meio à fragmentação dos valores e paradigmas, imposta pelo Modernismo.
Estreando como poeta, três anos antes da eclosão modernista no Brasil (Semana de Arte
Moderna/SP, 1922), Cecília reflete em seus primeiros exercícios poéticos, a confluência das
duas diretrizes dominantes na época: a parnasiana esteticista (o ideal da “Arte pela arte”) em
busca da forma eternizadora da vida efêmera; e a simbolista espiritualista (de raízes
decadentistas), que tenta resgatar o mistério, o além-aparências do real, que a Ciência negava.
Atraída por essa dupla ótica poética, Cecília, em Espectros, busca a forma e o tom hierático de
cunho parnasiano e, ao mesmo tempo, tocada pelo enigma da vida/morte, aponta a Poesia e a
História, como os gestos humanos que podem deter o tempo e eternizar o efêmero. Nessa linha,
os sonetos de Espectros têm, como matéria, diversas figuras históricas, surpreendidas em
situações idílicas ou satânicas, que as perpetuam no tempo. Mais tarde, Cecília repudia essa
poesia primeira, tida como simples exercício de estreante e considera como seu verdadeiro
início, os poemas de Baladas para El-Rei (escr. em 1921/publ.1925) e de Nunca mais e...
(escr. 1922/publ. 1923). Ambos escritos antes de sua filiação ao grupo espiritualista do Rio de
Janeiro, reunido em torno da revista “Árvore Nova” (seguida por “Terra do sol” e “Festa”).
Essa poesia primeira, de húmus neo-simbolista (ou decadentista), mantém forte ligação
com as fontes líricas européias e portuguesas em particular (poesia medieval e poetas maiores
ou menores do Decadentismo/Simbolismo português, como Antônio Nobre, Camilo Pessanha,
Eugênio de Castro, etc., que tiveram grande circulação no Brasil do entre-séculos oitocentista).
Aliás, a identificação de Cecília Meireles com a tradição lírico-portuguesa é notável, em toda a
sua obra, bem como a “sabedoria bíblica” do Eclesiastes e do Cântico dos Cânticos.
Balada para El-Rei expressa a ansiedade agônica do cristão, diante da vida concebida
como limitação, obstáculo, frustração, dor ou impedimento à comunhão dos homens com a
verdadeira vida. Esta é identificada com El-Rei (grande metáfora, de ecos medievais, que figura
o Deus Todo-Poderoso e inacessível), a cuja presença só seria possível chegar-se através da fé,
sonho ou morte. Nunca mais..., em confronto com as Baladas..., apresenta uma sensível
alteração da problemática Deus/Tempo/Vida/Morte. No universo fechado pela morte e
consequente frustração da vida, abre-se um caminho de possível realização humana: o caminho
da ascese. O Eu-poético exercita-se no sentido da ascese espiritual através da contemplação
mística. Estados contraditórios de alegria e tristeza, exaltação e desânimo, certezas e dúvidas se
sucedem nos poemas, em perfeita consonância com a caminhada espiritual feita de luzes e
sombras, mas sem angústias.
Depois de quatorze anos de silêncio, Cecília publica Viagem (1939).
Pousas sobre esses espetáculos infatigáveis /uma sonora ou silenciosa canção: / flor do espírito,
desinteressada e efêmera. /.../ Por ela, os homens te conhecerão:/ por ela, os tempos versáteis
saberão / que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente, quando por ele andou teu coração.
Viagem marca o encontro definitivo de Cecília Meireles com sua arte maior. Definem-se
as linhas mestras de sua criação poética: a indagação existencial, oscilante entre a exaltação da
vida e o desalento perante o seu inegável findar; a redescoberta da condição humana, como a de
seres-feitos-de-tempo (Heidegger); a revalorização do espetáculo do mundo, cuja concretude e
efemeridade resulta da própria existência do existir (sequência de nascimento/morte); e,
finalmente, a intuição de que a Poesia (a Palavra nomeadora) é o grande meio que revela aos
homens o “esquema secreto da vida”. São essas as linhas de força que dinamizam Viagem:
Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: /
sou poeta / Irmão das coisas fugidias. /.../ Sei que canto. E a canção é tudo. / Tem sangue eterno a
asa ritmada. / E um dia sei que estarei mudo: / e mais nada.
Essa funda identificação entre o seu canto e a sua vida confirmam a alta temperatura
4
criadora da poesia ceciliana, na medida em que (conforme J. Pfeiffer, nos anos 50), a grande
virtude da verdadeira poesia é a de revelar o ser da existência, não como algo pensado e
concluído, mas como algo vivenciado. É essa a imediata sensação que nos transmite sua poesia,
plena de significados ocultos e de intensa vibração existencial.
Com os anos, os livros se sucedem regularmente: Vaga música, Mar absoluto, Retrato
natural... Solombra. De livro para livro, sua linguagem metafórica vai-se desdobrando em
emoções essenciais e em pura beleza. A angústia existencial é suavizada pela musicalidade
poética, – versos que fluem em virtuosidades sonoras de grande beleza e densidade.
Tal como disse, Fernando Pessoa: “Aconteceu-me do alto do infinito / Esta vida.”; Cecília diz: “Eu
vim de infinitos caminhos /.../ Desenrolei de dentro do Tempo a minha canção.”
Publicações: Espectros, 1919; Nunca mais... E poema dos Poemas, 1923; Baladas para
El-Rei, 1925; Viagem, 1939; Vaga música, 1942; Mar absoluto, 1945; Retrato natural, 1949;
Amor em Leonoreta, 1951; Doze noturnos da Holanda e O aeronauta, 1952; Romanceiro da
Inconfidência, 1953; Poemas escritos na Índia, s/d; Pequeno oratório de Santa Clara
(apresentado em caixa de madeira pintada, em forma de oratório), 1955; Pistóia, cemitério
militar brasileiro, 1955; Canções, 1956; Romance de Santa Cecília, 1957; A Rosa, 1957; Obra
poética, 1958; Metal rosicler, 1960; Antologia poética, 1963; Solombra, 1963; Ou isto ou
aquilo (poesia infantil), 1964. Obra póstuma: Crônica trovada da cidade de Sam Sebastian do
Rio Janeiro (no quarto centenário de sua fundação pelo capitão-mor Estacio de Sáa), 1965;
Poemas italianos, 1968; Morena, pena de amor, 1976; Cânticos (ed. fac-similar do
manuscrito), 1983 e sucessivas reedições de toda sua obra e de poemas inéditos.
Resumo
Texto-verbete de Cecília Meireles, constante do Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras (a ser publicado
em meados de 2002), abrangendo dados biobibliográficos, acrescidos de juízo crítico acerca da arte poética
ceciliana, em relação ao contexto do Modernismo brasileiro e da poesia em geral, na primeira metade do
século

CORA CORALINA I

Tudo sobre Cora Coralina


........
Sintam a admiração de Carlos Drumond de Andrade pela Obra de Cora Coralina

"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...)."

LINKS

Biografia de Cora Coralina

Obras de Cora Coralina

Poemas de Cora Coralina

Opiniões sobre Cora Coralina

Mais sobre Cora Coralina

Livros de Cora Coralina


...

Esta é a casa onde Cora Coralina viveu a maior parte da sua vida. A casa foi transformada em museu.



Ler sobre Cora Coralina Cora Coralina, Aninha da Ponte da Lapa ou Ana Lins d

MACHADO DE ASSIS

im Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 — Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908) foi um escritor brasileiro, considerado um dos mais importantes nomes da literatura desse país e identificado, pelo crítico Harold Bloom, como o maior escritor negro de todos os tempos.

De sua vasta obra, que inclui ainda poesias, peças de teatro e crítica literária, destacam-se o romance e o conto. É considerado um dos criadores da crônica no país, além de ser importante tradutor, vertendo para o português obras como Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo e o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe. Foi também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente, também chamada de Casa de Machado de Assis.

Índice

[esconder]

Biografia

Era filho do mulato Francisco José de Assis, pintor de paredes e descendente de escravos alforriados, e de Maria Leopoldina Machado, uma portuguesa da Ilha de São Miguel. Machado de Assis, que era canhoto [1], passou a infância na chácara de D. Maria José Barroso Pereira, viúva do senador Bento Barroso Pereira, na Ladeira Nova do Livramento, (como identificou Michel Massa), onde sua família morava como agregada, no Rio de Janeiro. De saúde frágil, epilético, gago, sabe-se pouco de sua infância e início da juventude. Ficou órfão de mãe muito cedo e também perdeu a irmã mais nova. Não freqüentou escola regular, mas, em 1851, com a morte do pai, sua madrasta Maria Inês, à época morando no bairro em São Cristóvão, emprega-se como doceiro num colégio do bairro, e Machadinho, como era chamado, torna-se vendedor de doces. No colégio tem contato com professores e alunos e é provável que tenha assistido às aulas quando não estava trabalhando.

Mesmo sem ter acesso a cursos regulares, empenhou-se em aprender e se tornou um dos maiores intelectuais do país, ainda muito jovem. Em São Cristóvão, conheceu a senhora francesa Madamme Gallot, proprietária de uma padaria, cujo forneiro lhe deu as primeiras lições de francês, que Machado acabou por falar fluentemente, tendo traduzido o romance Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo, na juventude.

Portal A Wikipédia possui o
Portal de biografias
{{{Portal2}}}
{{{Portal3}}}
{{{Portal4}}}
{{{Portal5}}}

Também aprendeu inglês, chegando a traduzir poemas deste idioma, como O Corvo, de Edgar Allan Poe. Posteriormente, estudou alemão, sempre como autodidata.

Machado de Assis
Machado de Assis

De origem humilde, Machado de Assis iniciou sua carreira trabalhando como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Oficial, cujo diretor era o romancista Manuel Antônio de Almeida. Em 1855, aos quinze anos, estreou na literatura, com a publicação do poema "Ela" na revista Marmota Fluminense. Continuou colaborando intensamente nos jornais, como cronista, contista, poeta e crítico literário, tornando-se respeitado como intelectual antes mesmo de se firmar como grande romancista. Machado conquistou a admiração e a amizade do romancista José de Alencar, principal escritor da época.

Em 1864 estréia em livro, com Crisálidas (poemas). Em 1869, casa-se com a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã do poeta Faustino Xavier de Novais e quatro anos mais velha do que ele. Em 1873, ingressa no Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, como primeiro-oficial. Posteriormente, ascenderia na carreira de servidor público, aposentando-se no cargo de diretor do Ministério da Viação e Obras Públicas.

Podendo dedicar-se com mais comodidade à carreira literária, escreveu uma série de livros de caráter romântico. É a chamada primeira fase de sua carreira, marcada pelas obras: Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876), e Iaiá Garcia (1878), além das coletâneas de contos Contos Fluminenses (1870), , Histórias da Meia Noite (1873), das coletâneas de poesias Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1875), e das peças Os Deuses de Casaca (1866), O Protocolo (1863), Queda que as Mulheres têm para os Tolos (1864) e Quase Ministro (1864).

Em 1881, abandona, definitivamente, o romantismo da primeira fase de sua obra e publica Memórias Póstumas de Brás Cubas, que marca o início do realismo no Brasil. O livro, extremamente ousado, é escrito por um defunto e começa com uma dedicatória inusitada: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas". Tanto Memórias Póstumas de Brás Cubas como as demais obras de sua segunda fase vão muito além dos limites do realismo, apesar de serem normalmente classificados nessa escola. Machado, como todos os autores do gênero, escapa aos limites de todas as escolas, criando uma obra única.

Na segunda fase suas obras tinham caráter realista, tendo como características: a introspecção, o humor e o pessimismo com relação à essência do homem e seu relacionamento com o mundo. Da segunda fase, são obras principais: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1892), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (livro) (1904), Memorial de Aires (1908), além das coletâneas de contos Papéis Avulsos (1882), Várias Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1906), Relíquias da Casa Velha (1906), e da coletânea de poesias Ocidentais. Em 1904, morre Carolina Xavier de Novaes, e Machado de Assis escreve um de seus melhores poemas, Carolina, em homenagem à falecida esposa. Muito doente, solitário e triste depois da morte da esposa, Machado de Assis morreu em 29 de setembro de 1908, em sua velha casa no bairro carioca do Cosme Velho. Nem nos últimos dias, aceitou a presença de um padre que lhe tomasse a confissão. Bem conhecido pela quantidade de pessoas que visitaram o escritor carioca em seus últimos dias, como Mário de Alencar, Euclides da Cunha e Astrogildo Pereira (ainda rapaz e por isso desconhecido dos demais escritores), ficcionalmente o tema da morte de Machado de Assis foi revisto por Haroldo Maranhão.

Estilo literário

É considerado por muitos o maior escritor brasileiro de todos os tempos e um dos maiores escritores do mundo, enquanto romancista e contista. Suas crônicas não têm o mesmo brilho e seus poemas têm uma diferença curiosa com o restante de sua produção: ao passo que na prosa Machado é contido e elegante, seus poemas são algumas vezes chocantes na crueza dos termos -- similar talvez à de Augusto dos Anjos.

O crítico norte-americano Harold Bloom considera Machado de Assis um dos 100 maiores gênios da literatura de todos os tempos (chegando ao ponto de considerá-lo o melhor escritor negro da literatura ocidental), ao lado de clássicos como Dante, Shakespeare e Cervantes. A obra de Machado de Assis vem sendo estudada por críticos de vários países do mundo, entre eles, Giusepe Alpi (Itália), Lourdes Andreassi (Portugal), Albert Bagby Jr. (Estados Unidos da América), Abel Barros Baptista (Portugal), Hennio Morgan Birchal (Brasil), Edoardo Bizzarri (Itália), Jean-Michel Massa (França), Helen Caldwell (Estados Unidos da América), John Gledson (Inglaterra), Adrien Delpech (França), Albert Dessau (Alemanha), Paul Dixon (Estados Unidos da América), Keith Ellis (Estados Unidos da América), Edith Fowke (Canadá), Anatole France (França), Richard Graham (Estados Unidos da América), Pierre Hourcade (França), David Jackson (Estados Unidos da América), Linda Murphy Kelley (Estados Unidos da América), John C. Kinnear, Alfred Mac Adam (Estados Unidos da América), Victor Orban (França), Houwens Post (Itália), Samuel Putnam (Estados Unidos da América), John Hyde Schmitt, Tony Tanner (Inglaterra), Jack E. Tomlins (Estados Unidos da América), Carmelo Virgillo (Estados Unidos da América), Dieter Woll (Alemanha) e Susan Sontag (Estados Unidos da América).

O estilo literário de Machado de Assis tem inspirado muitos escritores brasileiros ao longo do tempo e sua obra tem sido adaptada para a televisão, o teatro e o cinema. Em 1975, a Comissão Machado de Assis, instituída pelo Ministério da Educação e Cultura, organizou e publicou as edições críticas de obras de Machado de Assis, em 15 volumes. Suas principais obras foram traduzidas para diversos idiomas e grandes escritores contemporâneos como Salman Rushdie, Cabrera Infante e Carlos Fuentes confessam serem fãs de sua ficção, como também o confessou Woody Allen. A Academia Brasileira de Letras criou o Espaço Machado de Assis, com informações sobre a vida e a obra do escritor.

Machado em suas obras interpela o leitor, ultrapassando a chamada quarta parede, nisso tendo sido influenciado por Manuel Antonio de Almeida, que já havia utilizado a técnica, bem como Miguel de Cervantes, e outros autores, mas nenhum deles com tanta ênfase quanto Machado.

Machado de Assis e o xadrez

Machado de Assis foi um exímio jogador de xadrez, tendo formulado problemas enxadrísticos para diversos periódicos e mesmo participado do primeiro campeonato disputado no Brasil. Em muitas de suas obras, faz menções ao jogo, como por exemplo, em Iaiá Garcia.

Representações na cultura

Machado de Assis já foi retratado como personagem no cinema, interpretado por Jaime Santos no filme "Vendaval Maravilhoso" (1949) e Ludy Montes Claros no filme "Brasília 18%" (2006). Também teve sua efígie impressa nas notas de NCz$ 1,00 (um cruzado novo; até 1989, com valor de mil cruzados) de 1987. Importantes concursos são realizados em todo mundo levando seu nome, a exemplo de Brasília que tem um significativo concurso com seu nome, realizado pelo SESC/DF.

Obra

Romance

Portal A Wikipédia possui o
Portal de literatura
{{{Portal2}}}
{{{Portal3}}}
{{{Portal4}}}
{{{Portal5}}}

Poesia

Livros de contos

Alguns contos

Teatro

  • Hoje avental, amanhã luva, 1860
  • Queda que as mulheres têm para os tolos, 1861
  • Desencantos, 1861
  • O caminho da porta, 1863
  • O protocolo, 1863
  • Quase ministro, 1864
  • Os deuses de casaca, 1866
  • Tu, só tu, puro amor, 1880
  • Não consultes médico, 1896
  • Lição de botânica, 1906
    • Nota: Não foram incluídos na presente lista os diversos textos de crítica e as crônicas publicados em jornais e revistas ao longo dos anos.

Academia Brasileira de Letras

Portal A Wikipédia possui o
Portal da A.B.L.
{{{Portal2}}}
{{{Portal3}}}
{{{Portal4}}}
{{{Portal5}}}


Era Machado o maior nome vivo da Literatura no Brasil, quando um grupo de jovens, capitaneados por Lúcio de Mendonça resolve finalmente pôr em prática a idéia da fundação da Academia Brasileira de Letras nos moldes da Academia francesa. Machado foi seu primeiro presidente e seu discurso de fundação em 1887 revela sua intenção em participar da Academia:

Senhores, Investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de uma instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder à vossa confiança. Não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova e naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda a casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloqüência nacionais é indício de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira. Está aberta a sessão.

Machado de Assis, 1897
Precedido por
Criação da Academia Brasileira de Letras
Cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras
1897 -1908
Sucedido por
Lafayette Rodrigues Pereira
Precedido por
Criação da Academia Brasileira de Letras
Presidente da Academia Brasileira de Letras
1897 - 1908
Sucedido por
Rui Barbosa

Referências

  1. JB online (acessado em 30 de janeiro de 2008)
  2. A princípio utilizou os padrões do Romantismo na composição poética, porém deles não se utiliza em seus contos e romances. Confessa não participar do Realismo, é um crítico do estilo de Eça de Queiroz e acreditava existir uma Verdade necessária à obra literária, porém em seus romances busca desvendar os conflitos reais e os mecanismos sociais.

Ligações externas

Commons
O Wikimedia Commons possui multimídia sobre Machado de Assis
Wikiquote
O Wikiquote tem uma coleção de citações de ou sobre: Machado de Assis.
Wikisource
O Wikisource tem material relacionado a este artigo: Machado de Assis



BIOGRAFIAS

A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z